Aveiro: Capital Portuguesa da Cultura ou da Especulação e do Turismo?

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Aveiro 2024 (foto partilhada pelo Facebook Aveiro 2024).

Aveiro entrou em 2024 com o título de Capital Portuguesa da Cultura. Mas este título servirá para valorizar a cultura local e nacional e quem trabalha no setor artístico e cultural ou será só um título para o inglês ver e satisfazer apenas o turista?

Por Nuno Alexandre *

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Espaços Culturais encerrados

Tenho algumas críticas a fazer à programação Aveiro 2024 e não posso deixar de mostrar o meu profundo desagrado com o que aconteceu em Aveiro com dois espaços culturais. Em 2022, todos nós assistimos com enorme tristeza ao encerramento do Avenida Café-Concerto. Frequentei aquele local algumas vezes. Era um espaço bastante agradável com uma dimensão e diversidade artística enormes O Núcleo Antifascista de Aveiro chegou a realizar no dia 24 de abril de 2022, uma sessão cultural e comemorativa do 48º aniversário da Revolução de Abril. Foi uma noite muito agradável e que encheu o Avenida Café-Concerto. Já nessa altura havia o receio de que o espaço poderia vir a encerrar. O pior aconteceu mesmo. Em junho de 2022, o Avenida Café-Concerto fechou portas. Nesta altura, Aveiro era candidata a Capital Europeia da Cultura 2027.

Na minha opinião, a autarquia falhou por não ter conseguido salvaguardar aquele espaço. Para mim o Cine-Teatro Avenida é um espaço histórico. Em abril de 1973, o edifício acolheu o III Congresso da Oposição Democrática. Era obrigação da autarquia estudar várias formas de classificação e de proteção do património e de todo o legado cultural, de luta e de liberdade do Cine-Teatro Avenida. Já este ano, com Aveiro a assumir o título de Capital Portuguesa da Cultura, houve mais um espaço cultural que fechou as portas. No dia 23 de janeiro, os Aveirenses despediram-se do Mercado Negro, um espaço frequentado por várias gerações e conhecido por pelo seu dinamismo e por ter uma excelente programação cultural. Motivo do encerramento? Especulação Imobiliária. Futuro do espaço? Um Hostel ou um AL. Aveiro é o exemplo de mais uma das cidades do país que está vendida ao Turismo. Já vimos isto a acontecer em alguns locais do país, sobretudo em Lisboa. O Cinema Olympia será um Hotel; a Discoteca Amália, ao fim de quase 30 anos de casa, foi obrigada a fechar portas por causa de um aumento brutal da renda; o Teatro Monumental foi destruído e deu lugar a um Hotel e no Porto, o Coliseu só não se transformou numa igreja porque as gentes do Porto e os artistas não deixaram! É triste ver a Cultura a ser maltratada desta maneira. Cada vez que um espaço cultural encerra numa cidade, essa cidade perde parte da sua identidade. Com o encerramento de duas estruturas culturais, Aveiro perdeu parte da sua identidade. Era de esperar que a Câmara assumisse uma posição em defesa do setor cultural e artístico, sobretudo num ano em que Aveiro é Capital Portuguesa da Cultura. Infelizmente e mais uma vez a Câmara FALHOU!

Acesso ao Património/Museus

No ano em que Aveiro assume o título de Capital Portuguesa da Cultura, era obrigação do executivo municipal PSD-CDS, promover a visita aos Museus da cidade e garantir o acesso da população ao património! O preçário dos Museus foi atualizado, tendo essa atualização efeito a partir do dia 1 de janeiro. A Igreja das Carmelitas, localizada na Praça do Marquês (em frente ao tribunal), foi classificada Monumento Nacional e a entrada para visitar o monumento era gratuita. A partir deste ano, as pessoas para visitarem as Carmelitas têm de pagar 2 euros, exceto quem se dirigir à Igreja por questões de fé e/ou de culto. Ora, a Igreja das Carmelitas é uma Igreja dessacralizada, ou seja, não há culto e funciona apenas como museu. Portanto, para além de ridícula, essa medida é discriminatória na questão do acesso! Os bilhetes dos restantes museus levaram um aumento de 40%. Aveiro, sendo a primeira cidade a assumir o título de “Capital Portuguesa da Cultura”, deveria ser também a primeira a promover e a garantir o acesso aos Museus e restante Património, mas não o faz!

Já todos ouvimos falar da escultura que irá adornar a Ponte-Praça. O problema é que vendo bem as coisas como elas são e tendo em conta o posicionamento da escultura, as pessoas só poderão desfrutar a 100% e ver a obra de perto se comprarem um bilhete de passeio de moliceiro num dos vários operadores marítimo-turísticos. A obra de arte deveria estar num local totalmente visível e acessível para todos!

Programa Aveiro 2024

Há cerca do programa inserido na Capital Portuguesa da Cultura, tenho duas notas muito breves a dar. Deveria ser um programa mais diversificado e mais inclusivo, sobretudo no que toca às artes de palco. Olhando para a agenda/programação do Quartel das Artes, do Centro de Artes de Águeda (CAA) e até da Casa da Cultura de Ílhavo, eu vejo uma programação bastante diversificada no que toca às artes de palco. Por exemplo, em dezembro do ano passado o Quartel das Artes recebeu as atrizes e comediantes Natalina José e Florbela Queiroz com a Revista à Portuguesa “Olha que duas”. O CAA recebeu a peça de João Baião “Feliz Aniversário” no ano passado, e este ano recebeu a peça “02:22 Uma História de Fantasmas”, protagonizado por Pedro Laginha, Ana Cloe, João Jesus e Joana Seixas. Filipe La Féria foi convidado a ir ao Teatro Sá da Bandeira, onde levou a cena a “Revista À Moda do Porto” protagonizada por Anabela, FF, Filipa Cardoso e por um vasto elenco de artistas portuenses. Já há muito tempo que o Sá da Bandeira não via a sala cheia! Até a Marina Mota levou a sua revista “Bravo 2023” ao Rivoli, no Porto. No fundo, o que eu quero dizer com isto é que o Teatro Aveirense devia apostar nos vários tipos de Teatro. Devia apostar no Teatro de Revista, num Musical, num Teatro de Comédia entre outros géneros teatrais. A programação do Teatro Aveirense está resumida a Teatro Performativo. Pouco ou nada mudou na programação do Teatro Aveirense nos últimos tempos. Eu dei exemplos de peças teatrais protagonizadas por atores conhecidos do grande público, mas Aveiro tem Companhias de Teatro com artistas e pessoas muito talentosos, e que certamente têm muito para oferecer aos Aveirenses. É obrigação da autarquia, promover e criar incentivos à criação e produção artística e reforçar o seu apoio às estruturas, companhias e associações culturais. Mas também podem convidar alguns produtores fora da cidade a levarem as suas peças ao Aveirense.

Algo que me chamou à atenção no Programa foi o facto de não haver uma referência a Zeca Afonso. Para quem não sabe, Zeca Afonso é natural de Aveiro. Neste ano, em que se comemoram os 50 anos da Revolução de Abril, era justo que se prestasse homenagem a um Aveirense e resistente antifascista, que também fez desta terra, uma terra da liberdade e foi autor da segunda senha e hino da Revolução “Grândola Vila Morena”. Ele foi um homem que nos deixou um legado artístico e de luta e que deve ser sempre lembrado! O Zeca merece Respeito! Espero bem que não se esqueçam de o incluir na programação da Capital Portuguesa da Cultura. Isto não se trata de ser de esquerda ou direita, trata-se de respeito por um artista e homem que deu muito de si ao país e à cultura portuguesa e que deve ser sempre lembrado com respeito, carinho e admiração!

Em suma, Aveiro deveria apostar este ano e nos que seguem numa programação mais robusta, diversificada e mais dinâmica nas várias artes, e o executivo municipal deve ter uma relação mais próxima com as estruturas e associações culturais!

Conclusão

O Título de Capital Portuguesa da Cultura deve servir para valorizar o setor artístico e quem nele trabalha e não para acenar ao negócio do Turismo e à Especulação! Este título deve servir para realçar a importância do setor artístico e dos artistas na nossa vida e no progresso social, deve servir para apoiar as estruturas culturais e deve servir para mostrar a importância de valorizar e garantir o acesso da população ao património, e isso passa por termos também uma rede de transportes públicos com qualidade, e em Aveiro isso não existe e quem anda de transportes públicos, como eu, sabe bem disso!

Enquanto país, ainda somos dos países da UE que menos investe na Cultura. Não nos esqueçamos que nos tempos cinzentos da pandemia, durante os tempos do confinamento onde quase não tínhamos vontade de sorrir, foi a Cultura e os seus profissionais que nos entreteram e que nos devolveram a gargalhada. É preciso valorizar estes trabalhadores e é preciso investir neste setor, que é um setor vital para a Democracia e para o progresso de um país!

Aveiro, enquanto Capital Portuguesa da Cultura tem esse dever maior! O dever de proteger e de construir políticas públicas municipais que valorizem o setor artístico. É dever do executivo garantir o acesso da população ao património e não é com aumentos dos bilhetes que se consegue isso! E é bom que o executivo tome posições em defesa dos espaços culturais e que não deixe que esses espaços passem de lazer e de cultura para AL ou Hotéis para os camones passarem a noite. O país não precisa de mais hotéis! Aveiro já está entupida de Alojamento Local e de Hotéis. BASTA DISTO! A Cultura está a ser vítima da Especulação Imobiliária um pouco por todo o país! Valorize-se e proteja-se a Cultura e todos os que nela trabalham! Só assim esta cidade será verdadeiramente Capital Portuguesa da Cultura.

* Estudante de História na Faculdade de Letras da UC, Aveiro.

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