“Ave, Aveiro” – Abril sempre em liberdade e justiça

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Manifestação de apoio ao MFA, a 26 de abril de 1974, em Aveiro (Foto divulgada pela CMA).

Terras liberais aveirenses, do Vouga, de José Estêvão, de Homem Cristo, do inconfundível aveirense nascido na proa de um moliceiro, o bispo Evangelista de Lima Vidal, depois de ter passado por África de missão, de Trás-os-Montes, de Lisboa, de Mário Sacramento, de Orlando Oliveira, de Vale Guimarães (erguendo a cidade universitária, de que hoje se orgulha a Veneza Portuguesa e o país se ufana, sem ciúmes), homens e mulheres deram o mote de um descontentamento generalizado.

Por Daniel Rodrigues *

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“Escrevo-te e não sei quem és – como face para sempre talhada! A mais antiga memória que guardo de ti é da ria a transbordar por praças e vielas, nas marés vivas”. Eis um extracto do que disse então o testamento do escritor Dr. Mário Sacramento, intitulado: AVE, AVEIRO.

Eram pouco mais de oito horas da matina de 25 de Abril de 1974. Corri para junto do Governo Civil de Aveiro. A partir das três horas tinha sido alertado do meu jornal (o Comércio do Porto) que estava na rua uma revolução. A entrar pelas portas largas do Governo Civil, caminhava lentamente o então Chefe de Secretaria, Sr. Martins, homem bom. Dei-lhe a notícia e pedi-lhe que me deixasse telefonar dali para o Dr. Horácio Marçal, recentemente nomeado Governador Civil pelo liberal Dr. Vale Guimarães. Acedeu ao meu pedido e galguei as escadas, conseguindo contactá-lo: “Sim, diz-me, está tudo na rua. Vou ver se consigo chegar às nossas terras de Aveiro”.

Posteriormente, já em Aveiro, revelou-me que, nessa noite, tinha estado com Marcelo Caetano e o estadista lhe dissera que a intentona das Caldas tinha sido um episódio morto à nascença…

Horácio Marçal foi, assim, o último Governador Civil a falar com o homem que prometeu uma Primavera que não viria a desabrochar…

Abril da Esperança nasceu, cresceu, amadureceu em terras da Ria.

Abril da Esperança para os portugueses e, de alguma maneira, para o mundo, germinou, cresceu e amadureceu em terras da Ria, da Serra, do Mar, na rota do Malhadinhas, do Vouga Arriba; emergiu do drama de um Povo, lutando por uma vida digna, humana; deixando de atravessar as fronteiras, calando, porventura, as balas dos carabineiros, nas serras de Vilar Formoso; evitando a partida de milhares dos nossos jovens para uma guerra injusta! Isso, isso, mesmo!

Terras liberais aveirenses, do Vouga, de José Estêvão, de Homem Cristo, do inconfundível aveirense nascido na proa de um moliceiro, o bispo Evangelista de Lima Vidal, depois de ter passado por África de missão, de Trás-os-Montes, de Lisboa, de Mário Sacramento, de Orlando Oliveira, de Vale Guimarães (erguendo a cidade universitária, de que hoje se orgulha a Veneza Portuguesa e o país se ufana, sem ciúmes), homens e mulheres deram o mote de um descontentamento generalizado.

Foram estes e outros eventos que estiveram na génese levando os capitães de Abril a arriscarem o seu futuro, o futuro de seus familiares…

E finalizando o testamento de “Ave, Aveiro”, Mário Sacramento, canta, chora, salmodia, quiçá, na esperança. E desabafa: “Façam um mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!” (cópia da carta-testamento de Mário Sacramento, escrita no Caramulo, em 7 de Abril de 1967 e gentilmente entregue ao autor desta evocação pela extremosa esposa, Cecília Sacramento).

Continua… E assim eu digo também, como se pode falar de Aveiro que não se evoque a capital da Liberdade?

Daniel Rodrigues (foto em divulgada em https://aveiro123.blogspot.com).

* Jornalista (1931-2010). Artigo escrito originalmente no jornal Correio do Vouga.

 

 

 

 

 

 

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