Atrair talento e resolver a precariedade

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Universidade de Aveiro.

As instituições de Ensino Superior (IES) são responsáveis por boa parte da investigação científica realizada no país. E ainda bem, porque quem ensina na fronteira do conhecimento precisa de acompanhar o progresso, e não há melhor forma de o fazer do que participar na sua construção. Mas reduzir a investigação nas IES não comprometeria apenas a qualidade e a atualização do Ensino Superior: afetaria a capacidade de inovação, a economia e desenvolvimento social do país.

Por Paulo Jorge Ferreira *

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No passado, os recursos humanos afetos à investigação incluíam uma parcela significativa de bolseiros, que não tinham estatuto de trabalhadores nem acesso a apoio social ou proteção laboral, e podiam permanecer, bolsa após bolsa, numa situação de grande vulnerabilidade.

A aplicação da norma transitória do Decreto-Lei 57 de 2016 e o lançamento de vários concursos de estímulo ao emprego científico melhoraram a situação de muitos bolseiros. A sua contratação como investigadores veio conferir-lhes o estatuto de trabalhadores, com acesso à ADSE, direitos laborais e a possibilidade de eleger e integrar os órgãos das instituições.

Foi um progresso importante, mas não resolveu tudo. Muitos investigadores continuam a ter contratos a termo e salários baixos. Esses contratos estão agora a terminar. Como estabilizar o vínculo desses trabalhadores? Como aumentar a capacidade do país para atrair e reter os melhores?

A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) lançou em dezembro de 2023 um instrumento para financiar a contratação, a título permanente, de 1400 investigadores (1000 em 2024 e 400 em 2025) – o programa FCT-Tenure.

As insuficiências da solução estão à vista: (i) um concurso só resolve uma situação de precariedade se quem o ganhar tiver vínculo precário, o que é impossível garantir; (ii) o objetivo de resolver a precariedade, e contratar alguém de dentro, colide com o objetivo de atrair e fixar os melhores e reduzir a endogamia.

A complexidade do modelo de financiamento também é notável: envolve uma transferência gradual de encargos da FCT para as IES, cujos detalhes dependem da natureza da carreira posta a concurso. Findo o período de transição, os encargos com os contratos permanentes ficam totalmente a cargo da IES. Se o concurso não for ganho por um precário, o problema transita integralmente para as IES. Como é sabido, a dotação prevista no Orçamento de Estado para a totalidade das IES não cobre sequer três quartos dos seus custos com pessoal.

Como o número de lugares previstos foi insuficiente para a procura registada, pode pensar-se em realizar uma segunda fase. Mas impõe-se não repetir os mesmos erros.

Para atrair e fixar investigadores, reduzindo a endogamia, é importante continuar a realizar concursos internacionais, abertos a todos. Para resolver a precariedade, basta alterar a natureza dos contratos dos investigadores que têm vínculos precários.

Quanto ao financiamento destas posições: as IES não podem assumir contratos permanentes com financiamentos precários. A investigação é parte integrante da missão das universidades, pelo que os recursos humanos que lhe estão dedicados devem ser financiados como os restantes recursos. Isto implica inscrever estas despesas no Orçamento do Estado, assegurando estabilidade e previsibilidade, e associando-lhe contratos com metas rigorosas, e mecanismos transparentes de avaliação e responsabilização.

Contratar os melhores e resolver as situações de precariedade existentes são problemas separados, que merecem soluções separadas.

Garantir condições de trabalho dignas e estáveis para os investigadores é garantir o futuro da investigação, da cooperação entre as IES e a sociedade e a transferência de tecnologia.

Vale a pena pensar nisso.

* Reitor da Universidade de Aveiro. Artigo publicado no site UA.pt.

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