
O assédio laboral é, hoje, um ponto crítico e central nas relações de trabalho. A existência de um contrato de trabalho, como se sabe, pode potenciar uma miríade de situações de desequilíbrio e, por vezes, redundar em abusos.

Por Rui Borges Pereira *
Não espanta, pois, que o tema do assédio no trabalho tenha sido mote para alterações legislativas relevantes, verificando-se uma exigência e rigor crescentes na análise que os Tribunais efetuam quanto ao fenómeno, seja no sentido da responsabilização das empresas, mas também ao (re)afirmarem e recordarem que a relação laboral pressupõe, por natureza, a existência de uma assimetria espelhada nos poderes conferidos à empregadora (designadamente, os de direção, fiscalização e disciplinar).
O Conceito de Assédio Laboral
O Código do Trabalho define o assédio laboral – também conhecido enquanto assédio moral no trabalho – como um comportamento indesejado, praticado no âmbito da relação laboral, com o objetivo ou efeito de perturbar ou constranger o trabalhador, afetando a sua dignidade, ou de criar um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Este conceito, intencionalmente aberto e abrangente, pode depois materializar-se em diversas condutas, tais como:
- Isolamento do trabalhador dentro da empresa;
- Não atribuição de funções ou esvaziamento de responsabilidades;
- Imposição de tarefas inferiores à categoria profissional;
- Agressões verbais ou gestuais, práticas vexatórias ou humilhações públicas;
- Retaliação contra trabalhadores que denunciam situações de assédio.
No entanto, é essencial frisar que a subsunção de determinada situação ao conceito de assédio terá de ser avaliada de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso. Aliás, a mesma conduta da empregadora, em contextos e circunstancialismos distintos, poderá ser reputada de assediante, nalguns casos, e não o ser noutros.
O Assédio Laboral nos Tribunais de Trabalho
É esta, muitas vezes, a dificuldade na avaliação de casuística de cada situação, que não raras vezes são colocadas à apreciação dos tribunais portugueses. Em todo o caso, com o avolumar de decisões começam a estabilizar-se algumas linhas e pistas interpretativas, que auxiliam à análise do fenómeno.
Veja-se, por exemplo, que a conexão entre vários comportamentos do empregador, aparentemente dissociados entre si, poderá ser determinante para o enquadramento a fazer: é que mesmo que determinados atos, analisados isoladamente, possam parecer inofensivos, a sua repetição pode gerar – e evidenciar – a criação de um ambiente laboral assediante. A importância da questão salta à evidência quando se recorda que a existência de assédio laboral pode constituir justa causa de resolução contratual, promovida pelo Trabalhador.
A título de mero exemplo, enumeramos algumas decisões recentes sobre o tema.
1. Acórdão de 15 de janeiro de 2025 (Processo n.º 1066/20.2T8AVR.P1.S1)
Neste caso, o STJ analisou uma situação em que o trabalhador, após enfrentar dois despedimentos ilícitos sucessivos promovidos pela entidade empregadora, foi sujeito a um ambiente de trabalho hostil. A entidade empregadora violou o direito do trabalhador à ocupação efetiva, esvaziou-o das suas funções, confinou o seu posto de trabalho a uma mesa de refeições junto à zona de lavandaria, obstruiu-lhe o acesso a informações relevantes e impediu-o de participar em reuniões de trabalho. O STJ concluiu que estas condutas configuravam assédio moral, constituindo justa causa para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.
2. Acórdão de 27 de fevereiro de 2023 (Processo n.º 5452/20.0T8VNG.P1)
O STJ considerou que o assédio é um comportamento ilícito que viola a dignidade e personalidade do trabalhador, sendo suscetível de gerar o direito a uma indemnização por danos não patrimoniais. Neste caso, foi atribuída uma indemnização a um trabalhador que nunca foi colocado nas funções correspondentes à sua categoria profissional, resultando em depressão grave, desânimo, tristeza, perda de autoestima e dificuldades financeiras.
3. Acórdão de 11 de setembro de 2019 (Processo n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1)
O STJ esclareceu que, de acordo com o Código do Trabalho, para a configuração de assédio não é necessário que o comportamento tenha o objetivo de afetar a vítima, bastando que esse seja o efeito do comportamento adotado pelo assediante. Este entendimento facilita a proteção do trabalhador, uma vez que a intenção do agressor não precisa de ser provada, sendo suficiente demonstrar o efeito negativo do comportamento.
As Obrigações das Empresas e o Risco da Inação
A tendência da legislação tem vindo a ser clara na sua intenção manifesta de combater e sancionar, adequadamente, o fenómeno, bem como de reforçar responsabilidade dos empregadores na prevenção e combate ao assédio no local de trabalho.
Essas medidas poderão passar, entre o mais, pela:
- Adoção de códigos de conduta contra o assédio laboral;
- Obrigação de instaurar procedimento disciplinar para a investigação de denúncias e quando existam suspeitas da prática de assédio;
- Realização de ações de formação sobre assédio laboral.
Dependendo da realidade de cada empresa, poderão existir medidas concretas cuja adoção é obrigatória e a sua inobservância poderá na respetiva responsabilização, designadamente sancionatória.
Mas, mais do que isso, uma gestão ineficaz destas situações pode gerar consequências graves para as organizações:
- Contingências e Risco de Condenação Judicial, com a concessão de indemnizações aos trabalhadores que podem ser muito significativas;
- Deterioração do clima organizacional e do ambiente de trabalho, afetando a produtividade e aumentando o absentismo e a rotatividade;
- Impacto na reputação corporativa, comprometendo a marca empregadora e a relação com clientes e parceiros;
- Dificuldade na retenção de talento, afastando profissionais qualificados.
Conclusão: Uma Cultura de Prevenção como Pilar Estratégico
A prática e a realidade vêm acentuando que não basta ter normas escritas sobre o fenómeno, incluídas num Código de Conduta que ninguém lê, ou conhece, e está guardado algures no arquivo da empresa: é essencial garantir que estas são efetivamente aplicadas e que a empresa adota uma postura ativa na erradicação destas práticas. A criação de um ambiente de trabalho seguro e respeitador não é apenas um imperativo legal, mas também um fator essencial para a sustentabilidade das organizações. As empresas que investem na prevenção do assédio e na promoção de uma cultura de respeito e ética estarão sempre melhor posicionadas para mitigar riscos, proteger a sua reputação e garantir uma gestão eficiente dos seus recursos humanos.
* Advogado Cofundador da CBA Legal Advisors.
Ressalva legal: O presente artigo é meramente informativo e o seu conteúdo não pode ser considerado como prestação de serviços ou aconselhamento jurídicos, de qualquer natureza. Este artigo é, por natureza, genérico, abstrato e não é diretamente aplicável a qualquer caso concreto, pelo que não dispensa a consulta de um profissional devidamente habilitado, não devendo o Leitor atuar ou deixar de atuar por referência ao seu teor.