As verdades ditas por Guterres que incomodaram algumas cabeças

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António Gueterres (foto divulgada pelo gabinete de imprensa da ONU).
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No dia 24 de outubro, dia em que se assinala o dia da ONU (Organização das Nações Unidas), o secretário-geral António Guterres afirmou que somos um mundo cada vez mais dividido e que devíamos ser nações unidas. É uma realidade! O mundo encontra-se cada vez mais dividido e em constante retrocesso civilizacional. Como diria o inglês Aldous Huxley “Talvez a maior lição da história seja que ninguém aprendeu as lições da história”. As guerras, as desigualdades sociais, os terrorismos, as mortes, a discriminação e a ascensão de forças extremistas e odiosas em alguns países têm marcado o mundo, e sobretudo a Europa. O mundo está a navegar em águas muito poluídas e perigosas.

Por Nuno Alexandre *

Precisamos urgentemente de inverter o rumo da navegação, e de guiar o barco por outro rio. Precisamos de estabelecer a paz e a cooperação entre os povos; precisamos de combater os extremismos de ambos os espectros políticos que só fazem mal às democracias; precisamos de combater o ódio, a xenofobia e todas as formas de discriminação e opressão; precisamos de ser solidários para com todos os povos e de combater as desigualdades socias que cada vez mais se aprofundam. Precisamos mesmo de levar o barco a bom porto para que o mundo não se torne cada vez mais num lugar cinzento, perdido, violento e sem esperança.

O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se na passada terça-feira para discutir e abordar a escalada do conflito no Médio Oriente. O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, afirmou que o conflito entre Israel e Palestina está a tornar-se cada vez mais violento e as tensões tendem a aumentar. Guterres condenou o HAMAS, mas também afirmou “Os ataques do Hamas não aconteceram do nada. O povo palestiniano tem sido sujeito a 56 anos de uma ocupação sufocante. Viram as suas terras ser constantemente devoradas pelos colonizadores e assoladas pela violência.”, “As suas esperanças por uma solução política para a sua situação têm vindo a desaparecer. Mas as reivindicações do povo palestiniano não podem justificar os ataques terríveis do HAMAS. E esses ataques não podem justificar a punição coletiva do povo palestiniano”., “Reitero o meu apelo para um cessar-fogo imediato! (…) Não podemos perder de vista o único alicerce realista para uma paz verdadeira e de estabilidade: uma solução de dois estados. Os israelitas devem ver materializadas as suas necessidades legítimas de segurança. E os palestinianos devem ver concretizadas as suas legítimas aspirações de um Estado Independente, em conformidade com a resolução das Nações Unidas, as leis internacionais e os acordos anteriores”. O discurso de Guterres causou incómodo em algumas cabeças, incluindo na cabeça de alguns líderes partidários portugueses. O embaixador israelita da ONU não gostou de ouvir as verdades e exigiu a demissão de Guterres.

À voz do embaixador israelita parecem ter-se juntado a Iniciativa Liberal e o Chega. André Ventura, líder do partido de extrema-direita, pediu a demissão de António Guterres. Depois de ouvir as declarações da IL e do partido de extrema-direita apercebi-me rapidamente de duas coisas. Primeiro, mostraram não ter capacidade para interpretar discursos. Segundo, mostram bem que não sabem nada do que se passa e do que tem acontecido nas últimas décadas no Médio Oriente. Andar por aí a passar a ideia de que Guterres defendeu o HAMAS no seu discurso, é deturpar a realidade e distorcer aquilo que foi dito pelo Secretário-Geral da ONU. Guterres condenou o HAMAS desde o primeiro dia, e quem ouviu com atenção o seu discurso e tem acompanhado as suas declarações percebe isso. Agora não podemos esquecer o passado! Não podemos esquecer os crimes que Israel cometeu contra os palestinianos! Não tapemos o sol pela peneira! Não podemos fechar os olhos a décadas de ocupação, não podemos esquecer o regime de apartheid e de segregação a que Israel condenou e condena os palestinianos. Não podemos fechar os olhos aos anos de perseguição, violência, opressão e repressão israelita. Não podemos fechar os olhos aos crimes perpetrados por Israel. Assim como o HAMAS é criminoso e merece ser condenado pelos seus atos, Israel também!

Não esqueço que no ano passado a jornalista palestiniana Shireen Abu Akleh foi assassinada a tiro por forças israelitas durante um ataque israelita à Cisjordânia ocupada. No dia do seu funeral, vários palestinianos foram vítimas e alvo de repressão por parte das forças israelitas. Um relatório da ONU, divulgado no ano passado, denunciou o regime de apartheid imposto por Israel à Palestina. Desde há décadas para cá que os palestinianos são alvo de repressão e de perseguição e são privados dos seus direitos dentro do seu próprio território. “Os agricultores palestinianos na Cisjordânia ocupada enfrentaram recentemente uma série de incursões militares israelitas, restrições no acesso à terra e à água, e a destruição das suas colheitas por colonos israelitas”. -Fonte: Amnistia Internacional (31/10/2022).

É preciso realçar que este conflito não começou em outubro de 2023. Este conflito tem décadas, mas nunca teve tanta atenção mediática como agora. E volto a reiterar que não podemos tapar o sol pela peneira. Nesta guerra, o HAMAS não é o único culpado e criminoso. O estado de Israel também o é! A nossa solidariedade e das instituições e organizações europeias e mundiais deve ser para com as vítimas palestinianas e israelitas. Os dois povos sofrem! Os criminosos do HAMAS não representam os palestinianos e o criminoso governo israelita não representa os israelitas!

António Guterres tem apelado desde o início a um cessar-fogo e condenou os crimes perpetrados pelo HAMAS e por Israel. A lei internacional tem sido constantemente desrespeitada. Israel não se está a defender! Israel está a condenar, como sempre condenou, severamente os palestinianos e está a cometer um genocídio. E a partir do momento em que Israel vê a ONU como inimiga e impede e recusa vistos a funcionários da ONU está a cometer uma enorme atrocidade!

A mensagem de Guterres foi clara e verdadeira! O secretário-geral das Nações Unidas condena os ataques de ambas as partes, e está a fazer os possíveis para que haja um cessar-fogo, para que haja um diálogo e para que a paz comece a reinar no médio oriente. É totalmente falso que em algum momento do seu discurso António Guterres tenha defendido ou justificado as ações criminosas do HAMAS. Ele condenou o grupo terrorista HAMAS! Acho vergonhoso e grave que se ande a deturpar as declarações do Secretário-Geral da ONU!  Como português e como ser-humano sinto imenso orgulho em António Guterres. Acredito que quem se informa, quem conhece a história e quem assistiu com atenção às declarações não anda a repetir por aí os argumentos descabidos e sem nexo de alguns líderes partidários da direita e da extrema-direita portuguesa, e percebe que António Guterres falou bem e disse as verdades! Foi corajoso e frontal, e a Amnistia Internacional já reconheceu a sua coragem!

É urgente que se comece a dialogar a paz! É preciso reconhecer o direito da palestina à sua autodeterminação pondo assim um fim a décadas de ocupação, de apartheid e repressão israelita. Guterres afirmou aquilo que muitos líderes pensam, mas não têm coragem de o afirmar. António Guterres merece toda a nossa solidariedade e todos os aplausos pela sua coragem, lealdade e convicção! Sentido de humanismo e de solidariedade é aquilo que move António Guterres desde o dia em que se tornou secretário-geral da ONU.

* Estudante de História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Aveiro.

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