As taxas de juro ou os banqueiros centrais perdidos no seu labirinto

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Há um par de meses escrevi neste espaço de crónica que os banqueiros centrais, em larga medida por culpa própria, haveriam de passar um mau bocado. Esse tempo parece ter chegado.

Por José Figueiredo *

Na última reunião do BCE em Sintra a Sra. Christine Lagarde terá eliminado algumas ilusões que ainda pudessem andar por aí quanto a boas notícias sobre taxas de juro. O mais provável é que as taxas de juro ainda tenham espaço para subir mais 25 ou 50 pontos base.

O problema para os banqueiros centrais é que não é fácil justificar perante as pessoas comuns o atual andamento da política monetária, ao mesmo tempo que é fácil para políticos populistas e demagogos dizer que o BCE vai por mau caminho.

A taxa de inflação na zona euro está um pouco acima de 5% e tem mostrado uma trajetória consistentemente descendente desde o pico em outubro/novembro do ano passado. Contudo, se retirarmos ao índice geral os elementos mais voláteis (energia e comida não processada), a inflação nuclear está próxima de 6% e não mostra tendência para descer.

Que pode (ou deve) fazer o BCE com este quadro?

Uma visão simplista (muito germânica, se quisermos) é dizer que o BCE deve cumprir o seu mandato que é colocar a inflação em 2% (idealmente um pouco abaixo) sendo que, estando a inflação da zona euro tão longe dessa meta, há que aumentar a dose do remédio e subir as taxas de juro.

Embora seja claro que, nas atuais circunstâncias, se quiser cumprir o seu mandato, o BCE tem de manter uma política monetária restritiva, já não é garantido que o cumprimento do mandato implique necessariamente o agravamento das taxas de juro. Na verdade, não há nenhuma fórmula mágica que nos diga qual é o nível ótimo das taxas de juro no cenário atual – a única forma de validar a bondade (ou erro) da política é ir olhando para os resultados.

Mesmo olhar para os números que vão saindo pode ser enganador. Sabemos por experiência passada que existe um diferimento temporal entre as medidas de política monetária e a produção dos seus efeitos – nunca menos de um ano e, por vezes, mais de um ano e meio, o que quer dizer que, durante um ano ou mais, andamos quase às cegas.

Podemos ter uma inflação nuclear que teima em não descer, mas a política estar pristinamente adequada – pode faltar apenas dar tempo a que os mecanismos de transmissão façam o seu papel.

Que fazer, então?

Uma das estratégias possíveis é fazer uma pausa e dar mais um tempo para recolha de informação que nos diga o que fazer. Foi a opção da Reserva Federal Americana (FED) no seu último encontro decisório.

Claro que a FED prudentemente deixou claro que a pausa não podia ser interpretada como o fim do ciclo das subidas. Dependendo da informação posterior podia ser necessário voltar aos aumentos das taxas de juro.

A outra estratégia consiste em acreditar que, embora não saibamos prever o futuro com rigor, pelo menos temos informação para avaliar qual é o maior dos males: subir de menos e dar um empurrão na inflação ou subir de mais e causar danos evitáveis.

Os responsáveis do BCE têm sinalizado que, na sua avaliação, os riscos de fazer de menos (deixar como está) são superiores aos riscos de fazer de mais, ou seja, continuar a subir as taxas de juro.

Como seria de esperar a situação está a causar desconforto nos meios políticos. Por exemplo, o nosso primeiro-ministro não se cansa de recomendar “moderação” ao BCE, em Itália são mais vocais e classificam a postura do BCE de “absurda”.

Quem tem razão?

Por mais que me custe, no atual quadro, tendo a alinhar com o BCE.

Tenho as maiores dúvidas que a redução da inflação para níveis confortáveis (se tem de ser 2% é outra conversa – faremos uma crónica sobre este tema) seja viável mantendo as coisas como estão e dando tempo ao tempo.

Excluindo energia e comida sobram, dependendo das geografias, entre dois terços e três quartos do índice geral de preços. Nessa parte mais estável do índice a esmagadora maioria são serviços, com um peso significativo das despesas de habitação.

Nos serviços o grande peso dos custos são os salários pelo que, se os salários subirem é muito difícil evitar que os preços dos serviços também subam.

No primeiro trimestre de 2023 os salários nominais na zona euro subiram 4,6% e os custos não salariais do fator trabalho subiram ainda mais, nos Estados Unidos, em junho, os salários nominais horários estavam a subir 4,4 %. O mais provável é que o setor dos serviços, de longe o maior contribuinte para o índice geral da inflação, continue a aumentar preços.

Com os aumentos que aí vêm e com o que já está no pipeline , não vejo como possamos esperar, num horizonte próximo, uma descida significativa do índice geral da inflação, por melhor que se comportem a energia e a comida, isto é, os elementos voláteis cujo andamento é mais difícil de antecipar.

A energia é sempre uma caixa de surpresas. Atualmente contribui negativamente para o índice geral, mas quem pode garantir que vai ficar assim? A concorrência entre a europa e a china no acesso aos contratos de gás natural já está a fazer subir os preços, o petróleo, que andava bem-comportado nos últimos tempos, já pulou para cima de 80 dólares por barril…

Com o que sabemos hoje tudo aponta para que os astros estejam alinhados para uma inflação geral que vai continuar a descer (salvo qualquer surpresa do lado da energia), uma inflação nuclear mais resistente à descida e que seja necessário um bocado de tempo para a poeira assentar.

É aqui que os banqueiros centrais se perdem no seu labirinto. Se acreditam que a dose é pequena e sobem mais as taxas de juro correm o risco de estar a causar dano à economia e sofrimento em muitas pessoas sem necessidade (saem mal na fotografia para gáudio de toda a espécie de populistas), se acreditam que a dose já é suficiente e não sobem as taxas podem estar a dar oportunidade à inflação de se entrincheirar no tecido económico-social e depois pode ser o diabo para correr com ela (não cumprem o mandato e martelam o último prego no caixão da credibilidade dos bancos centrais).

A única coisa que poderia salvar os bancos centrais do atual dilema seria a generosidade dos trabalhadores, aceitando perder pacificamente poder de compra com renúncia a aumentos salariais. Dizem as más línguas que a Sra. Christine Lagarde tem um salário de +/- 35.000 euros por mês. Admito que a Sra. Christine Lagarde, num ímpeto solidário, nos faça o favor de não exigir a atualização do seu salário. O que não acredito é que os que fazem todos os dias contas para o fim do mês aceitem tranquilamente perder o seu exíguo poder de compra…

Vai doer!

* Economista. Artigo publicado originalmente no site Solidariedade.pt.

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