Donald Trump averbou uma vitória esmagadora nas últimas eleições americanas – ganhou no voto popular (não tinha sido assim em 2016), ganhou em todos os “estados oscilantes”, isto é, aqueles estados que alternam maiorias democráticas com maiorias republicanas, e o Partido Republicano ficou com a maioria das duas câmaras do Congresso.
Por José Figueiredo *
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Que esperar desta nova administração? Se o período 2016-2020 serve como exemplo temos pela frente mais quatro anos de gestão caótica e incompetente, de decisões incongruentes ou mesmo incompreensíveis e de sistemática exibição narcisista do líder.
Nesta segunda incarnação talvez tudo isto venha com esteroides. Desde logo porque a maioria do congresso, tal como a presidência, é republicana quer na Câmara dos Representantes, quer no Senado, depois porque, ao contrário do que aconteceu em 2016-2020, desta vez, Donald Trump teve o cuidado de escolher uma equipa de absolutos lealistas no plano pessoal, ou seja, não vai defrontar forças moderadoras no interior da sua equipa. Finalmente o Supremo Tribunal, onde os cargos são vitalícios, tem uma maioria clara de ultraconservadores que não vai ser peso ou contrapeso para coisa nenhuma.
Sobre as consequências políticas desta situação outros se manifestarão com mais propriedade que este vosso humilde criado. Permito-me falar um pouco sobre as consequências na economia.
Tudo indica que a nova administração Trump vai ser inflacionária no plano da economia.
A economia americana está a crescer a ritmos anualizados próximos de 3%, provavelmente acima do seu potencial. A inflação, embora com um percurso globalmente descendente desde os picos de 2022, continua teimosamente acima dos canónicos 2%. Na última leitura, relativa a outubro, a linha de cima da inflação estava em 2,6%, ou seja, duas décimas acima do registo de setembro. Contudo, a inflação nuclear, excluindo os componentes mais voláteis, nomeadamente energia e comida, mantém-se nos 3,3%, ou seja, bem acima do que poderíamos considerar uma inflação bem comportada.
O presidente da Reserva Federal já veio avisar que, face a este cenário, o processo de redução das taxas de juro poderá ser mais parcimonioso do que se esperava. O que conhecemos dos planos de Trump para a economia tenderão a agravar a tendência inflacionária.
Foi pelo menos assim que os mercados leram a vitória de Donald Trump. Expetativas de aceleração de crescimento económico levaram os mercados acionistas a crescer forte, perspetivas de desregulação levaram os setores mais expostos, o caso dos bancos, por exemplo, a ver as suas ações a subir bem acima da média do mercado, tensões inflacionistas expectavelmente mais pronunciadas levaram as taxas de juro da dívida americana a dez anos a aumentar e, finalmente, em resultado de tudo isto o dólar reforçou.
No plano fiscal, as promessas de redução de impostos são, por si mesmas, inflacionárias. A desregulação, em particular, no que diz respeito ao sistema bancário é também, por natureza, inflacionária. Juntemos ao impulso fiscal e à desregulação a promessa de “deportação em massa” de emigrantes.
O mercado de trabalho americano está razoavelmente apertado. As taxas de desemprego estão em níveis historicamente baixos com o registo de outubro nos 4,1%, ou seja, pouco acima dos mínimos observados no passado recente. Os salários horários nominais continuam a aumentar na casa dos 4% anualizados. O que os números mostram é que, apesar do brutal aperto do lado monetário dos últimos anos (não obstante o alívio recente), os impactos no mercado de trabalho têm sido relativamente moderados. Talvez seja essa a razão porque a inflação, não obstante a tendência geral de descida, se mostra tão renitente em entrar nos carris da ortodoxia.
Muito provavelmente a emigração é uma parte importante desta narrativa. Se subitamente a oferta de trabalho diminuir significativamente devido à expulsão de emigrantes, poderemos assistir a um mercado de trabalho ainda mais apertado, com taxas de desemprego ainda mais baixas e variações salariais mais fortes. Provavelmente as subidas dos salários serão mais pronunciadas nos setores mais afetados pela emigração, ou seja, os setores de serviços de baixa produtividade e baixos salários. Sabemos como no setor dos serviços a inflação dos preços é particularmente sensível à variação dos salários nominais, os quais constituem o grosso dos custos de produção. Sabendo que os serviços representam a maior fatia do índice de inflação podemos imaginar como uma política drástica de expulsão de emigrantes pode ter um impacto inflacionário significativo.
Finalmente as tarifas. Donald Trump, o eterno obcecado com o deficit comercial americano, durante a campanha eleitoral sugeriu uma tarifa geral sobre as importações entre 10 e 20% e, para aumentar a pressão sobre a China, a imposição de direitos de 60% sobre as importações vindas do império do meio.
Demagogia eleitoral à parte, é tudo menos claro o que, de facto, Donald Trump pretende com as tarifas. Alguns próximos do presidente eleito dizem que, com exclusão da China, com quem o caso é mais sério, se trata apenas de uma estratégia negocial. Veremos!
Seja como for, a política geral de tarifas é inflacionista. Os exportadores podem diminuir as suas margens com vista a evitar uma subida brusca de preços nos mercados de destino, eventualmente a desvalorização das moedas dos países exportadores em relação ao dólar também ajudarão a compensar o fardo das tarifas, mas no final das contas algum impacto sobre a inflação será inevitável. Contrariamente ao que afirma Donald Trump uma parte dos custos das tarifas serão pagos pelos consumidores americanos.
Claro que se pode dizer – e é verdade – que o putativo efeito inflacionista das tarifas é absorvido todo de uma vez e que, depois as coisas tenderão a normalizar. Contudo, há duas coisas que provavelmente não vão normalizar. Nem as contramedidas dos países visados pelas tarifas vão desaparecer, uma vez passado o primeiro impulso inflacionista, nem a revalorização do dólar será fácil de evitar e reverter.
Os Estados Unidos são atualmente o quarto destino das exportações portuguesas pelo que o tema das eventuais tarifas sobre as importações americanas e da respetiva dimensão não nos é de todo indiferente. Eventualmente, se o dólar ficar mais forte, poderemos ganhar alguma coisa no turismo, sendo que o mercado americano já é um dos maiores emissores para o turismo português.
Se aquilo que atormenta mesmo Donald Trump é o deficit comercial americano, o mais provável é que a sua estratégia política faça pouco para o encolher, contudo, pelo caminho fará muito mal à América e ao mundo.
* Economista. Artigo publicado originalmente no site Solidariedade.pt.
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