Francisco Cunha tem ajudado a renovar a tradição aveirense de pintura em azulejo, uma escola onde já são poucos os mestres no ativo.
De onde veio o interesse pela arte e pela pintura em particular ?
Os meus pais contam que sempre fui uma criança fácil de entreter. Um lápis e alguns papeis bastavam. Ficava horas a desenhar e a fazer construções com os mais diversos materiais que inventava sempre, na tentativa de reproduzir ou criar emoções relacionadas com a beleza. Talvez a minha mãe tenha sido a grande motivadora. Ela pedia-me para observar as montras das lojas e analisar os modelos, para depois eu reproduzir no papel em casa e ela costurar para as vizinhas.
Além do jeito e do talento, exige estudo ?
Sim. Estudei na área da pintura, mas nunca parei de fazer cursos e workshops de expressão plástica em Lisboa,Porto, Coimbra e, claro, por Aveiro. Ainda há pouco tempo, tirei ilustração científica na Universidade de Aveiro. Nunca se sabe de mais. Já na azulejaria, tive o melhor início com o grande mestre Jorge Calisto.
“Foi com os azulejos que escrevi a minha assinatura em quase todos os continentes”
É ilustrador, retratista. Mas os painéis de azulejos aparecem como a sua principal marca artística.
É minha intenção manter esta ligação à azulejaria. Faz parte da nossa cultura portuguesa e não posso ignorar que foi com os azulejos que escrevi a minha assinatura em quase todos os continentes, para além de que tem um potencial incrível quando bem dominada a técnica. Acho que a arte urbana em Portugal deveria passar essencialmente pela cerâmica.
A aguarela é a minha técnica favorita que, por sinal, tem muito em comum com a azulejaria. Ambas são expressões de transparências e executadas com água e, como sou dos extremos, tenho a azulejaria para abordagens em grandes dimensões e a aguarela para deliciar-me com os pormenores. Daí o fascínio pela ilustração científica.
Quem lhe bate à porta para pintar e desenhar ?
O maior número de clientes têm sido de espaços comercias, talvez devido ao aumento do turismo em Portugal. Tenho tentado levar os clientes a optarem para além do tradicional e me deixarem introduzir ou acrescentar alguma contemporaneidade. Para mim só faz sentido deixar algum traço estético do contemporâneo.
Qual o maior desafio em que está envolvido ?
Neste momento encontro-me a revestir uma área de cerca de 60 metros quadrados, onde, nos lambrins do Barroco, estou a misturar precisamente ilustração científica.
Outras obras emblemáticas que pintou ?
Já revesti uma igreja com a história de Santiago de Compostela. Revesti também um restaurante com a história dos descobrimentos, baseando-me nas descrições d´ Os Lusíadas. Para além disso, revesti alguns espaços públicos. Mais recentemente, revesti um espaço em Mira com 30 metros quadrados.
Na área da ilustração científica, participei na ilustração de um manual escolar da Porto Editora e num livro sobre as algas da nossa costa marinha. Este último foi distinguido com um primeiro prémio. Já ilustrei alguns livros de prosa e poesia, e até de literatura infantil, que me deram muito gosto.
Formandos chegam do Brasil para aprender a arte
Também dedica-se a dar formação, transmitir os conhecimentos adquiridos ?
Neste momento só a alguns curiosos, que, por sinal, chegam maioritariamente do Brasil. Os nossos jovens ainda não perceberam o potencial da azulejaria que, para além de muitas outras vantagens, são pinturas que têm uma durabilidade praticamente ilimitada.
Faz parte de um núcleo cada vez mais restrito de autores deste tipo de obras.
Os pintores de azulejos, em Aveiro, já se contam pelos dedos. Mas, mesmo assim, é por aqui que se concentra o maior número de artistas desta área. As empresas que ainda comercializam esta arte chegam de todo o país trabalhar com os pintores de Aveiro.
É uma arte muito tradicional ainda tem lugar para a inovação ?
É quase como na música, o Barroco é uma base importante para o Jazz. Sempre que me deixam, gosto de inovar e adaptar a estética da expressão artística ao espaço ou envolvência para a qual se destinam os trabalhos.
As obras ficam caras ?
Os painéis, quando passam por revendedores, chegam ao cliente com o preço aumentado muitas das vezes em 500%. Hoje em dia os pintores não pertencem aos quadros de uma empresa, têm ateliês próprios. Os particulares continuam a não comprar diretamente nos ateliês, o que é estranho com a facilidade que hoje se tem em encontrar referências dos mesmos nas redes sociais. Todos ficam a perder, pois o contacto direto com o cliente faz, logicamente, com que todo o processo seja muito mais eficaz a todos os níveis: persecução do pretendido pelo cliente, soluções estéticas mais em conformidade com o objetivo, e por aí vai … Para além de ser muito mais barato, é muito melhor servido.