Aproveitamento energético da biomassa e sobrevivência dos produtores florestais do minifúndio

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Central de biomassa florestal.

A construção de um sistema integrado de recolha e utilização de biomassa no interior de Portugal, à semelhança do que já se passa por exemplo nos países bálticos, é fundamental para a gestão dos terrenos rurais, além dos restantes benefícios gerados pelo aproveitamento energético da biomassa.

Por Clemente Pedro Nunes *

A criação de um sistema logístico que promova o aproveitamento energético da biomassa terá impactes positivos na energia verde, no sequestro de carbono e na capacidade de gestão dos terrenos rurais, em particular no interior norte e centro, onde predomina o minifúndio.

O excedente de biomassa que permanece nos terrenos rurais, a par do elevado número de ignições de origem criminosa e negligente, tem aumentado as consequências destrutivas provocadas pelos incêndios em Portugal, fragilizando as comunidades rurais e inviabilizando a capacidade financeira dos pequenos proprietários para gerir e valorizar as suas terras. Com um sistema logístico estruturado, capaz de promover a recolha e o aproveitamento energético da biomassa que se acumula nos terrenos, poder-se-ia ajudar a quebrar este ciclo que se autoalimenta. Ora vejamos:

1. Um Desafio fundamental para a Coesão Territorial

A brutal tragédia humana provocada pelos incêndios rurais de 2017, que provocaram 125 mortos, foi um “murro no estômago” para a opinião pública portuguesa e revelou as enormes fragilidades da ocupação humana de vastas regiões do Interior Norte e Centro de Portugal.

Já antes, os grandes incêndios rurais de 2003 e 2005 tinham sido um “grito de alerta” para a falta de consideração do poder político para com os verdadeiros problemas que afetam os produtores florestais do minifúndio, que começam exatamente pelos incêndios de Verão, que lamentavelmente se converteram numa “inevitabilidade criminosa” e todos os anos se repetem a coberto duma impunidade duramente sentida pelas populações locais.

A enorme devastação económica que estes incêndios provocam aos pequenos proprietários rurais do minifúndio, tornam ainda mais ruinosa a gestão desses terrenos, criando um “ciclo vicioso” em que estes proprietários ficam sem os meios financeiros para fazerem os investimentos necessários à limpeza e valorização do respetivo património.

2. As grandes ameaças à Sobrevivência Económica dos Produtores Florestais do Minifúndio

Em termos práticos, as duas causas das devastações causadas por estes incêndios rurais do minifúndio são:

a) O número excessivamente elevado de ignições, conforme apresentado na Figura 1. Os dados mostram a situação particularmente chocante de Portugal registar um número de incêndios muito mais elevado do que em Espanha, França e Itália, países com territórios muito maiores do que os nossos. E, infelizmente, um tão grande número de ignições só pode ser justificado por atos generalizados de crimes de fogo posto ou de grosseira negligência.

b) A grande quantidade de excedentes de biomassa que permanecem nos terrenos, devido à inexistência de qualquer sistema logístico para os recolher e utilizar, impedindo o aproveitamento energético da biomassa.

Note-se que devido à redução drástica das terras utilizadas para fins agrícolas, mais de 65% do território português está agora coberto por florestas e matagais/incultos, (como ilustrado por Graça Louro, em “A economia da floresta e do sector florestal em Portugal”, 2011, e pelos dados do 6º Inventário Florestal Nacional, do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, relativos a 2015).

Como os proprietários destes terrenos estão impedidos de realizar queimadas durante sete meses ao ano, isto faz aumentar a quantidade de matéria combustível acumulada nos terrenos e facilita a rápida propagação dos fogos florestais.

3. Promover a Energia Verde – através do aproveitamento energético da biomassa – como Fonte de Rendimento dos Produtores Florestais

Uma das peças fundamentais da estratégia de descarbonização do governo português é a utilização das florestas como grandes sumidouros de CO2.

Mas tal só é possível com políticas públicas que facilitem a gestão dos pequenos proprietários florestais de forma que ela se torne minimamente rentável, o que exige medidas drásticas para reduzir as áreas ardidas, e as consequentes emissões de CO2.

Para se promover o combate eficaz aos fogos rurais, potenciando o contributo das florestas para absorver CO2 da atmosfera e, em simultâneo, melhorando as condições de gestão dos pequenos proprietários florestais, considera-se absolutamente prioritário que se tomem duas medidas estruturantes de políticas públicas:

a) Agravar o enquadramento penal relativamente ao crime de fogo posto florestal

Como se evidenciou na Figura 1, o número de incêndios/ignições em Portugal é absurdamente elevado, nomeadamente se comparado com outros países europeus da orla mediterrânica com territórios muito maiores do que o nosso, como é o caso da França, da Itália e da Espanha.

Numa lógica de forte dissuasão dos crimes de fogo posto rural, e que infelizmente se tornou indispensável pelas gravíssimas consequências humanas, económicas e ambientais que provocam, considera-se fundamental aumentar as penas que são aplicadas aos condenados em tribunal por este tipo de crimes.

Para que não mais seja possível que quem tenha sido condenado em tribunal, saia depois em liberdade por lhe ser aplicada uma pena suspensa.

É óbvio que numa lógica social, as pessoas condenadas por estes crimes deverão ser obrigadas a cumprir as penas através da prestação de serviços sociais obrigatórios, o que facilitará a sua posterior reinserção na sociedade.

b) Criar sistemas de recolha/gestão e utilização de biomassa florestal

O excesso de biomassa permanece nos terrenos rurais, porque é muito caro para os respetivos proprietários fazerem a respetiva recolha e transporte, e porque não existem centros de recolha segura desses excedentes de biomassa.

Ora esta biomassa é uma excelente fonte de energia, que pode ser utilizada em Centrais Térmicas para produzir “eletricidade verde”.

Uma das soluções, à semelhança do que já se tem vindo a fazer no Concelho de Viseu, é criar em cada município vários centros de recolha de biomassa, onde os pequenos proprietários depositem os excedentes de biomassa próximo das suas propriedades.

Estes centros deverão ser geridos pelas Centrais Eléctricas de Biomassa, ou pelas autarquias, que assegurariam assim a respetiva segurança / proteção, nomeadamente contra os incêndios florestais de verão. Estes centros de recolha de biomassa, além de serem orientados para o fornecimento de matéria-prima às Centrais Elétricas “Dedicadas”, também poderão ser utilizados para abastecer consumidores domésticos/industriais de madeira e biomassa na vizinhança.

Se considerarmos 30 mil km2 de território onde a biomassa é produzida em excesso, cobrindo cerca de 120 municípios, e se assumirmos que cada um desses municípios precisaria de ter, em média, seis centros de recolha de biomassa, chegamos ao número de 720 centros de Recolha de Biomassa espalhados por todas essas regiões.

Com um banco de dados informatizado com informações sobre as quantidades e tipos de biomassa que estão disponíveis a cada momento nesses centros de recolha, obter-se-á uma ferramenta muito interessante para que todos os que trabalham a jusante deste sector da biomassa se poderem abastecer a preços bastante baixos.

A construção de um sistema integrado de recolha e utilização de biomassa no interior de Portugal, à semelhança do que já se passa por exemplo nos países bálticos, é fundamental para a gestão dos terrenos rurais, além dos restantes benefícios gerados pelo aproveitamento energético da biomassa.

4. O Futuro da Gestão Florestal do Minifúndio

Após as tragédias de 2017, as políticas públicas relativamente aos pequenos proprietários do minifúndio centraram-se no reforço de “medidas de coação e punição”, com coimas, restrições de atividades e mesmo com medidas tecnicamente absurdas como a obrigatoriedade da limpeza dos terrenos até 15 de março de cada ano, o que só facilita o crescimento posterior de ervas e matagais potenciado pelas habituais chuvas de abril e inícios de maio.

Em alternativa, as medidas que aqui se propõem baseiam-se no princípio duma parceria ativa e mutuamente benéfica entre as políticas públicas e os interesses dos pequenos proprietários florestais do minifúndio.

É esta a melhor maneira de se promover a ocupação humana com sustentabilidade económica de vastas regiões rurais do Interior Norte e Centro, favorecendo em simultâneo a concretização da política de descarbonização definida pelo Governo no Horizonte de 2050, com as florestas do minifúndio a poderem cumprir a sua indispensável missão de grande sumidouro natural do CO2 da atmosfera.

* Doutorado em Engenharia Química, pela Universidade de Birmingham, e agregado também em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico, onde é professor catedrático. É membro da Academia de Engenharia e membro Conselheiro da Ordem dos Engenheiros. É ainda investigador do CERENA – Centro de Recursos Naturais. Foi Diretor Geral do Ensino Superior, Presidente do Conselho de Administração da Quimigal SA, e membro do Conselho de Administração da CUF SGPS, SA. Artigo publicado originalmente no site Florestas.pt.

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