Apicultores e apicultura

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Recolha do mel das colmeias.

De vez em quando, cruzamo-nos com eles nas estradas, passa uma carrinha com as caixas coloridas atrás, ou vêmo-los ao longe, fatos brancos com os chapéus com rede, característicos, debruçando-se ou erguendo-se com um quadro na mão que examinam atentamente, fumigador ou pincel na outra. Estão muitas horas absorvidos pelo trabalho, no campo, na estrada, em casa, no armazém de apoio, na unidade de processamento de mel. São essenciais ao mundo rural, tal como o concebemos: com flores, frutos, inúmeros ciclos de biodiversidade. O ecossistema não sobreviveria sem eles: os apicultores.

Por Manuel Cardoso *

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Quase não há abelhas selvagens na Europa, uma excepção ou outra, em nicho. Por isso, é imprescindível manter os enxames com o trabalho dos apicultores. Sem abelhas não há polinização em grande escala e sem polinização não há frutos nem sementes. A interacção entre os apicultores e os fruticultores é já um acto frequente: milhares de colmeias são deslocadas de Trás-os-Montes para a Cova da Beira e Alentejo, para polinizarem amendoais, meloais, pomares de frutos vermelhos e abacates, usufruindo das flores para alimentação, graças ao regadio, até nos anos secos.

Não é reconhecido, na escala que mereceria, o trabalho dos apicultores, nem pela sociedade nem pela classe política, que quase o ignora ou apenas finge notar. Há, no PEPAC, Plano Estratégico da Política Agrícola Comum, capítulos consagrados à apicultura, mas sem um desenho substancial de ajudas. Há um PNA, Programa Nacional de Apoio ao sector da Apicultura, mas o pomposo do nome engana: os apicultores não têm ajudas directas, não usufruem de subsídio de gasóleo, não beneficiam de verdadeiras subvenções agroambientais.

O PNA enforma dum ou vários problemas, o primeiro dos quais é ser entendido na sua articulação, a Portaria n.º 54G/2023, um hino em burocratês e um articulado voltado para as organizações do sector e para os organismos de financiamento e controlo. Parado no tempo, mudando algumas siglas e um ou outro conceito, parece um documento de há décadas.

Ora, ou no PNA ou noutro instrumento legal, os apicultores deveriam ser agentes e estar muito mais envolvidos e remunerados no combate à vespa velutina, na concepção de seguros para veículos e material, efectivos de abelhas e responsabilidade civil, aleatoriedades climáticas e ocorrências extremas e incêndios.

Em parte, há alguma responsabilidade nas organizações, no modo como fazem chegar o que deveriam ser as suas justas reivindicações, ao poder político: falta-lhes atrevimento e audácia, modernização de conceitos e adequação aos novos tempos. Então nas zonas de fronteira, é flagrante: o contacto com a apicultura espanhola, mais centrada no apicultor, muito mais desenvolta a tirar partido das situações, resulta sempre em nosso desfavor. Nós entravamo-nos a nós próprios com burocracias e uma suposta melhor (que é pior) interpretação e cumprimento das normas.

Já neste século, houve muitos jovens e recém-chegados que, utilizando os fundos de investimento, se instalaram como apicultores. Passado o primeiro entusiasmo e esgotado o subsídio à instalação, muitos abandonaram a actividade, apesar de produzirem algum e excelente mel, incapazes de concorrer com imitações doutros países de fora da União Europeia e vendidas cá. Produzido lá fora sem normas e falsificado sem escrúpulos. Neste momento, a net está inundada de anúncios de venda de equipamentos em segunda mão, quase novos, relacionados com a apicultura. Muitos tratam de tentar fazer algum dinheiro dos salvados da sua breve e ruinosa actividade.

Os apicultores, as suas abelhas, os seus produtos (o mel e o própolis – e alguns derivados como sabonetes e uma parafernália diversa), são importantíssimos na contribuição que dão para a protecção da biodiversidade, potenciação de serviços de ecossistemas e conservação de habitats e da paisagem. Há que ter em atenção que este papel ultrapassa em muito o da produção de mel e de própolis. Todas as externalidades positivas da apicultura, incluindo as ambientais, servem para melhorar a resposta da agricultura nacional e europeia às exigências em alimentação e saúde, proporcionam produtos alimentares seguros, nutritivos e sustentáveis, e dão melhores condições de bem-estar humano e animal.

Tudo isto é verdade, quase do senso comum. Então, os apicultores precisam de ser muito mais apoiados e com foco no futuro. Uma vista de olhos ao Real Decreto 906/2022 do Reino de Espanha, na lá denominada Intervención Sectorial Apícola, não deixa dúvidas quanto ao encarar pragmático de que “el sector apícola en España precisa de un cambio de orientación para potenciar la mejora de la calidad y la comercialización de la miel y de los productos apícolas, incrementando su valor añadido, por lo que se enfatiza el esfuerzo en las intervenciones de mejora de la cadena alimentaria, la promoción y la comercialización, dando mayor presencia presupuestaria a estos tipos de intervenciones respecto del periodo anterior 2020-2022“. Ou seja, os espanhóis estão e vão dar mais dinheiro aos apicultores para poderem continuar a ter mel e de forma mais moderna. Chamam-lhe eles um “cambio de orientación”. Era o que nós deveríamos também fazer. Até por uma razão simples: as abelhas voam livremente para um e outro lado da fronteira.

Esperemos que continuem a voar em Portugal, e a polinizar, e a fazer mel – e que os nossos apicultores não desistam.

* Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021. Artigo publicado originalmente no site Agroportal.

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