O lançamento de um livro com 101 ideias para Aveiro surge num momento em que o sucesso da gestão autárquica depende cada vez mais da qualidade da equipa e da capacidade de trabalho coletivo, em vez de uma visão centralista e messiânica de um único líder, exigindo medidas projetadas para a reorganização do território, o reforço da competitividade, a melhoria da qualidade de vida, a sustentabilidade e novas competências bem diferentes das que os gestores públicos precisavam na década de 90. Mais importante do que ter ideias e estabelecer metas é delinear um caminho concreto e sustentável para as alcançar; afinal, também eu desejaria tornar-me bilionário na próxima semana, mas não faço a mínima ideia de como lá chegar.
Por Francisco de Albuquerque *
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A batalha autárquica pela Câmara Municipal de Aveiro começou de forma anticipada e intensa. Com as eleições marcadas para 2025, o próximo mandato (2025-2029) perfila-se como um dos mais relevantes das últimas décadas, dada a conjuntura de execução do PT2030 e a aplicação dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Trata-se, muito possivelmente, da última oportunidade, dentro deste contexto único de apoios e alinhamentos políticos, para colocar a cidade a remar de forma coesa na direção certa. Caso contrário, dificilmente voltaremos a dispor de condições tão favoráveis, com uma maioria autárquica consolidada, a totalidade das juntas de freguesia sob o mesmo signo político, uma Assembleia Municipal alinhada e um governo nacional da mesma cor partidária. Se nem assim os problemas de Aveiro forem resolvidos, quando o serão?
É neste quadro político e económico que surge o livro “Um futuro para Aveiro”, com 101 propostas assinadas por Alberto Souto de Miranda, um putativo candidato pelo Partido Socialista. A publicação do livro mais não é do que o acender do rastilho do debate público, tentando galvanizar o interesse da população e das forças vivas da cidade para uma discussão que há muito tem estado entorpecida. Nos últimos anos, a gestão municipal, sendo centralizadora e pouco próxima do cidadão comum, terá contribuído para o definhamento de uma verdadeira participação cívica. Agora, procura-se inverter esta letargia, levantando questões estratégicas sobre o futuro urbano de Aveiro.
O livro divide-se em 11 capítulos e é um trabalho metodicamente organizado, facilitando a leitura e a compreensão das ideias. No entanto, não faz sentido insistir em propostas hoje tecnicamente inviáveis ou que, devido aos custos, criariam um rombo inadmissível nas contas municipais. A altura de voltar atrás em certos projetos já passou. É inútil, por exemplo, perder tempo a reinventar o Rossio ou voltar a reconfigurar a Avenida Dr. Lourenço Peixinho, já intervencionada. O que importa agora é melhorar o que está feito, apostando na reabilitação criteriosa do edificado, das empenas e dos lotes enclausurados, substituindo o comércio obsoleto por serviços mais contemporâneos e dinâmicos, bem como preservando – e, se possível, ampliando – as emblemáticas fachadas de Arte Nova que caracterizam a cidade. E continuam a existir largas centenas, senão milhares de fogos devolutos em Aveiro.
Entre as muitas propostas, há ideias de valor reconhecido, como a pedonalização de todo o centro urbano, o acesso ferroviário ao Estádio e à Aldeia Desportiva, a criação de uma pista ciclável até ao Estádio, a construção de parques de estacionamento subterrâneos (por exemplo, na Praça Maia Magalhães), a edificação de uma obra de arte para acesso à zona de Sá-Barrocas sobre a A25, a criação de um novo Parque Central a sul do Pavilhão dos Galitos, a transformação do Quartel de Sá em habitações, uma nova sede para os Bombeiros Novos, uma nova Avenida de Santa Joana e São Bernardo, e uma ligação do PCI à Rua da Pêga. Estas ideias, de caráter prático e coerente com as necessidades urbanas, poderiam contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida e organização de um espaço que sofre de décadas de desorganização territorial.
Contudo, o mesmo documento também inclui propostas menos ancoradas na realidade, como novos canais navegáveis dentro da cidade, um “Lago do Paraíso”, um hipódromo em Azurva ou uma nova pista de remo em Taboeira. Ideias demasiado ambiciosas ou simplesmente desconectadas daquilo que são as prioridades tangíveis do município, neste momento.
Convém lembrar que a cidade de Aveiro, sendo um polo turístico e universitário importante, necessita de soluções equilibradas e realistas, não de projetos megalómanos sem enquadramento orçamental. Expandir a Praça Melo Freitas unindo-a à Praça 14 de Julho pode fazer sentido, desde que se tenha em conta a correção de erros urbanísticos pré-existentes, como o último andar do edifício dos Galitos, que perturba a harmonia do conjunto. Neste processo de reinvenção da malha urbana, um olhar mais atento sobre o Bairro da Beira-Mar seria bem-vindo: é uma zona de identidade ímpar, mas que gradualmente se está a descaracterizar, sacrificada pela selva de carros e estacionamentos improvisados.
Por outro lado, o livro não aborda temas cruciais como a energia, a captação de nova indústria ou a atração de investimento externo. Numa época em que a transição energética e a competitividade económica são desafios incontornáveis, seria de esperar que estas dimensões fossem consideradas. O futuro de Aveiro não se constrói apenas com intervenções urbanísticas; depende também da sua capacidade de inovar, de criar emprego e de garantir um tecido económico sólido e próspero. Também não aborda a perda de importância de Aveiro na região, em que cada vez mais cidades se querem desvincular, como São João da Madeira, Arouca, Oliveira de Azeméis ou Mealhada. Qualquer dia também Ovar, Anadia ou Oliveira do Bairro se começam a desvincular também celebrando uniões mais vantajosas com outros territórios. As mesmas estradas que servem para a população escolher Aveiro para viver também são as mesmas estradas que servem para saírem para outros municípios que ofereçam melhores condições de vida.
Embora se debatam hoje estas 101 ideias, há um horizonte em que o papel dos decisores políticos poderá tornar-se irrelevante. No final deste mandato, em 2029, quem sabe se a tomada de decisões autárquicas não estará já entregue à inteligência artificial (IA)? Uma IA que não comete erros, não sofre de fadiga, não tem interesses partidários, não concede favores, não precisa de dormir e não necessita de fins de semana e de baixas médicas. Pode ser um cenário distante ou inquietante, mas não deixa de ser simbólico mencionar que, com a velocidade a que as novas tecnologias avançam, o modelo tradicional de governação poderá conhecer uma transformação radical.
Até lá, contudo, Aveiro enfrenta o seu presente. O tempo e as condições políticas e financeiras alinham-se agora. A oportunidade de solucionar os problemas que afetam a cidade é única e, se esta não for aproveitada, o futuro poderá trazer cenários mais incertos. As ideias estão lançadas, à espera de quem as debata, refine e implemente. Resta saber se o atual executivo, os vereadores, os candidatos e a sociedade civil estarão à altura do desafio, canalizando todo este contexto favorável para finalmente colocar Aveiro no rumo certo. Porque se agora não, então quando?
* Gestor industrial.
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