As metas estabelecidas pelo Acordo de Paris representam valores acima dos quais muitos sistemas naturais não conseguirão recuperar.
Alfredo Rocha *
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou um novo relatório sobre os custos da mitigação e adaptação às metas estabelecidas pelo Acordo de Paris (2015): não ultrapassar 1,5 ºC e 2. ºC de aquecimento global até ao final do século. Alfredo Rocha, do Departamento de Física da UA, comenta os resultados apresentados no documento.
O relatório do IPCC de 2013 (Fith Assessement Report – AR5) identifica os impactos das alterações climáticas para o futuro, com particular enfoque num futuro próximo (2030), a médio prazo (2050) ou distante (2100).
No dia 6 de Outubro de 2018 o IPCC publicou um novo relatório (IPCC Special Report on Global Warming of 1.5 °C – SR1.5) concentrando-se nas metas estabelecidas pelo Acordo de Paris (2015) de não ultrapassar 1,5 ºC e 2. ºC de aquecimento global até ao final do século, relativamente à era pré-industrial.
O SR1.5 pouco acrescenta em termos científicos. As poucas conclusões de carácter científico agravam aquelas obtidas no AR5. O SR1.5 consiste numa insistente e derradeira (?) chamada de atenção para o facto de termos alguns anos, praticamente até 2030, para começarmos a reduzir drasticamente as emissões de Gases com Efeito de Estufa (GHG). Segundo o SR1.5, as emissões globais de CO2 de origem humana devem ser reduzidas em 45% até 2030 (relativamente a 2010) e atingir zero em 2050.
O relatório avalia os custos da mitigação e adaptação relativamente ao Acordo de Paris.
Em síntese o SR1.5 avalia:
Se é ainda possível cumprir as duas metas. Parece que sim mas com muito esforço político, embora poucos cientistas acreditem nesta possibilidade, sobretudo na meta de 1.5 ºC.
Quanto custa começar já a reduzir drasticamente as emissões de GHG (mitigação). Isto poderá ter graves consequências a curso prazo no crescimento económico.
Quanto custa sequestrar CO2 mais tarde para cumprir as metas (mitigação).
Quais os impactos e custos de cumprir ou não cumprir as metas.
Qual a diferença nos impactos e custos entre as duas metas, nomeadamente 1.5 ºC e 2ºC. Em muitas situações é difícil distinguir diferenças nos dois cenários devido a grande variabilidade interna do Sistema Climático.
Será que os custos para limitar o aquecimento a 1,5 ou 2.0 ºC se justifica ou se mais vale ‘relaxar’ as ambições do Acordo de Paris.
Há quem argumente que, fixando-nos nas metas de 1,5 e 2 ºC, poderá passar a mensagem de que se estas forem cumpridas tudo ficará bem e, caso contrário, será perigoso. Ora, o Sistema Climático ‘não conhece’ nem estes nem outros valores críticos universais de aumento de temperatura. Mesmo cumprindo a meta de 1,5 ºC haverá maiores ou menores impactos em diferentes sistemas naturais e regiões. Relembre-se que, nada fazendo, o aquecimento global irá provavelmente atingir 4 ºC em 2100.
Note-se que a temperatura média global já aumentou 1,0 ºC desde 1880. Na maior parte das regiões oceânicas o aumento médio foi inferior a 1,0 ºC mas na maioria das outras regiões o aumento foi superior a 1,0 ºC. 20 a 40% da população mundial vive em regiões onde o aquecimento já ultrapassou 1,5 ºC. A maioria destas populações vive em países ditos pobres. O aquecimento já causou impactos consideráveis em muitos sistemas naturais.
A concentração de GHG na atmosfera depende das emissões humanas de GHG cumulativas (desde a Revolução Industrial) e não do que se está a emitir no momento. Esta concentração irá aumentar durante décadas para além das emissões terem sido reduzidas. A temperatura e outros impactos (aumento do nível do mar, etc..) irão continuar a aumentar durante séculos.
As metas estabelecidas pelo Acordo de Paris representam valores acima dos quais muitos sistemas naturais não conseguirão recuperar.
Este relatório prepara as bases para a revisão do Acordo de Paris a ter lugar em Katowice, na Polónia, em Dezembro de 2018. Fiquemos atentos.
* Departamento de Física da UA (artigo publicado originalmente no site UA_online).