O prémio Nobel da Física 2021 distingue os trabalhos de Syukuro Manabe (Universidade de Princeton, USA), Klaus Hasselmann (Instituto Max Planck para a Meteorologia, Alemanha) e Giorgio Parisi (Universidade Sapienza de Roma, Itália) pelas suas contribuições inovadoras para a compreensão de sistemas físicos complexos, que vão desde a escala atómica à escala planetária. O Comité Nobel explicita melhor o âmbito do prémio ao dizer que distingue “A Física do Clima e de outros Fenómenos Complexos”.
Por José Manuel Castanheira *
A distinção dos trabalhos dos três cientistas, sendo totalmente merecida, é também muito oportuna. Não se julgue que se está a pensar apenas na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP 26) que irá começar em Glasgow, Escócia, no próximo dia 31 de Outubro. O sentido de oportunidade pode ser percebido pela leitura do texto que fundamenta a atribuição do prémio (https://www.nobelprize.org/uploads/2021/10/scibackfyen_21.pdf).
A fundamentação do prémio descreve como Syukuro Manabe demonstrou o efeito de aquecimento global da superfície da Terra resultante do aumento da concentração de CO2. Na década de 60 do século XX, começando com modelos simples (modelos de balanço de energia), solidamente baseados nas leis da física, Manabe mostrou que seria de esperar um aumento da temperatura na baixa atmosfera e um arrefecimento nas camadas altas, um resultado amplamente confirmado pelas observações. Mais tarde, na década de 70, estendeu os seus estudos, resolvendo as equações completas para calor, massa, momento linear e radiação em redor do mundo – o seu primeiro modelo de circulação geral – corrido num computador com cerca de 0,5 MB de memória.
Por seu lado, Klaus Hasselmann demonstrou que os modelos climáticos podem ser confiáveis apesar do carácter mutável e caótico do tempo; propôs um método para comparar sistematicamente os resultados dos modelos com as observações e para avaliar o que está subjacente às respectivas variabilidades, permitindo detectar alterações no Sistema Climático e atribuir as suas causas a factores naturais ou antropogénicos.
Pode, ainda, ler-se, em tradução nossa, que “Todos os modelos são aproximações da realidade. Todas as aproximações, sejam elas matemáticas ou a implementação numérica de fórmulas, falham em limites particulares.” E a validade das simulações climáticas, i.e., o seu “rigor está associado ao conhecimento preciso dos limites de aplicação dos modelos”.
Ou seja, os resultados da simples corrida de um modelo “não podem ser tomados como verdade inatacável”, pois “sem investigar as origens da variabilidade, não podemos compreender o comportamento de qualquer sistema.” Ora, os trabalhos dos laureados contribuíram para a compreensão da origem da variabilidade e tornam o aquecimento global observado uma previsão científica fundamentada e inatacável.
Sabe-se que os modelos têm, e sempre terão, limitações, sendo necessário o seu constante aperfeiçoamento para se poder projectar com melhor precisão a distribuição espaço/temporal dos efeitos associados ao inquestionável aquecimento global. Para isso é necessário, por exemplo, compreender melhor como funcionam os processos associados às nuvens e como se pode melhorar a modelação desses processos na complexidade dos modelos do Sistema Climático. É, pois, necessário conhecimento fundamental para a modelação do clima. No entanto, parece haver muita pouca sensibilidade para estes aspectos nas comissões que fazem avaliação de propostas de Projectos de Investigação. Nessas comissões é dada mais atenção, se não quase toda, a projectos que se focam em impactos das alterações climáticas, não se cuidando das limitações dos instrumentos utilizados (os modelos) e da forma como são aplicados, limitações essas que poderão retirar robustez aos resultados obtidos. Essa muito maior atenção resultará, em parte, de ser muito mais fácil estabelecer ligação, ainda que ilusória, entre resultados desses projectos e impactos socio/económicos.
A investigação fundamental é necessária, e “são necessários físicos talentosos para ajudar a resolver questões que são cruciais para modelar o clima”. Esta última citação foi retirada de um artigo publicado, em 2015, na revista Nature (https://doi.org/10.1038/520140a), onde se discute a necessidade de atrair matemáticos e físicos para a Física do Clima. Assim, a atribuição do prémio Nobel da Física em 2021 vem tornar estranho que, actualmente, a grande maioria dos planos de estudos dos cursos Física não mostre atenção a um dos problemas societais mais prementes. De facto, os planos de estudos dos cursos de Física em Portugal não incluem qualquer unidade curricular em Física do Clima, nem estes conteúdos parecem ser abordados transversalmente noutras unidades curriculares. Por outro lado, a atribuição do prémio Nobel da Física em 2021 torna claro que as formações em Meteorologia, Oceanografia e Geofísica não devem descurar a formação básica em Física em detrimento de aprendizagens mais práticas, ligadas à utilização precoce de modelos muito complexos. Em Portugal há duas Licenciaturas em Meteorologia, Oceanografia e Geofísica, uma na Universidade de Aveiro e outra na Universidade de Lisboa.
* Professor do Departamento de Física da Universidade de Aveiro e investigador do CESAM, especialista em meteorologia e física do clima. Artigo publicado originalmente em UA.pt.
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