Alpinismo Fontanário

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Urna do chafariz da 'praça do peixe', Aveiro (foto no Facebook de José Humberto Leite).
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Na madrugada (4h00) do dia 25 de Agosto, um jovem de 20 anos trepou pelo fontanário da Praça do Peixe, instalou-se sobre o bonito vaso que o encimava e, quando se preparava para dar lugar aos dois colegas, uma rapariga e um rapaz, que o seguiam, a predita peça, a que se tinha agarrado, soltou-se e ele caiu, tendo-se ferido nos membros superiores e inferiores e no peito.

Por Diamantino Dias *

Não pretendo com este artigo dar notícia do acontecido, porque isso já foi feito num diário local e na televisão, mas, em primeiro lugar, lembrar que, há poucos anos, igual incidente ocorreu na Cordilheira dos Fontanários aveirenses, no pico das 5 Bicas, tendo esse jovem, após ter atingido o topo da Fonte, abraçado a águia que lá estava pousada, desde 1880; porém, esta, só habituada à companhia amiga das pombas, que, por vezes, lhe pousavam na cabeça, talvez não tenha gostado do amplexo humano e resolveu levantar voo, tendo os dois aterrado no empedrado que circundava o chafariz.

Os procedimentos foram os mesmos dos actuais: a Câmara tomou nota da ocorrência, a PSP identificou os jovens que foram parar ao Hospital e um pagou e o outro irá pagar as réplicas das peças arquitectónicas, que partiram, e os respectivos custos com os trabalhos da sua reposição.

Será possível fazer alguma coisa para que casos como estes não se voltem a repetir, quiçá, com consequências bastante mais graves, por exemplo, uma lesão na coluna, ou mesmo fatais se a cabeça bater no chão?

Não sou adivinho, mas atrevo-me a prever, com enorme probabilidade de acerto, que, mais mês menos mês, mais ano menos ano, haverá um momento em que um jovem sóbrio, ou com mais ou menos adição alcoólica, ou de outra droga, sentirá o desejo irreprimível de exibir, perante uma garota ou amigos, as suas capacidades físicas, fazendo a ascensão de um dos chafarizes, mesmo sabendo que tal não é socialmente correcto e implica poder vir a ter um acidente bastante grave, já que a altura é apreciável.

Considerando não só que os fontanários continuarão a existir, mas também que a cidade, felizmente, cada vez tem mais habitantes jovens e não unicamente portugueses (salvo o erro, frequentam a nossa Universidade alunos de 89 países) e, ainda, que não é viável pôr um polícia, dia e noite, junto de cada um dos dois chafarizes, logo, que não é possível impedir novas tentativas, penso que devem ser tomadas medidas no sentido de, pelo menos, desincentivar e dificultar ao máximo estas iniciativas, sem que, como é evidente, se interferira com a estética dos monumentos Arte Nova em causa. E, sem delongas, antes que se venha a verificar alguma queda que não se resolva no Hospital.

Como é habitual em casos similares, há sempre quem condene a acção do rapaz, generalizando e tecendo as habituais considerações, em que se denigre a actual geração, que estraga tudo, que não se sabe comportar, que será incapaz de empunhar eficazmente o testemunho geracional, etc. etc. etc. Ora eu não defendo a falta de civismo nem a anarquia e eduquei os meus filhos para respeitarem os outros e as normas estabelecidas. Mas muitas pessoas esquecem-se de que já foram jovens.

Assim, vou aproveitar a oportunidade e terminar este texto contando algo que se passou comigo e que, nessa altura, tal como hoje, era considerada coisa de malucos. Pelos meus 17, 18 anos, pertenci a um grupo de estudantes liceais, do qual já não me lembro o nome, cujos candidatos tinham que cumprir um ritual de admissão esquisitíssimo, que a seguir descrevo. Um pouco antes da meia-noite, o pretendente tinha de saltar o muro do Cemitério Central, pelo lado onde é hoje o “Forum” e que, na altura, era um descampado a que chamávamos “Selva”, dirigir-se ao Mausoléu do Bispos de Aveiro e, ao bater da meia-noite, no vizinho relógio da torre dos Paços do Concelho, dar um beijo à grande estátua da Morte existente no local. Esta tétrica cerimónia osculatória era comprovada por elementos do grupo que assistiam, lá em baixo, na Selva. E, tanto quanto eu saiba, esses malucos de há 70 anos vieram a ser cidadãos socialmente bem integrados.

É por estas e por outras que eu compreendo muitas coisas, se bem que nem todas, praticadas pela actual juventude.

Chafariz da ‘praça do peixe’, Aveiro (foto no Facebook de José Humberto Leite).

Nota – O autor não escreve segundo as normas do actual Acordo Ortográfico.

* Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, Técnico Superior Assessor Principal da Câmara de Aveiro – reformado (página do autor em Aveiro e Cultura).