Acusação do processo ‘Ajuste secreto’ imputa crimes económicos a 68 arguidos

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Tribunal de Santa Maria da Feira.

O Ministério Público (MP) proferiu a 6 de novembro passado o despacho de acusação no âmbito da chamada operação ‘Ajuste secreto’, que tem no ex-autarca Hermínio Loureiro (renunciou no final de 2016), atual vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, o nome mais conhecido, imputando, ao todo, a 68 arguidos crimes de corrupção, peculato e tráfico de influências, entre outros crimes económicos.

Do grupo fazem parte 10 autarcas e ex-autarcas, nove quadros de municípios, quatro clubes desportivos, e os seus respectivos presidentes, 20 empresários e 12 sociedades comerciais, entre outros, informa uma nota de imprensa da Procuradoria Distrital do Porto.

Em causa, estão factos relativos ao exercício dos municípios de Oliveira de Azeméis, Matosinhos, Gondomar, Estarreja e Albergaria-a-Velha e também à actuação de um quadro da Direcção Regional de Economia do Norte.

Em junho de 2017, a Polícia Judiciária deteve sete pessoas no âmbito da operação ‘Ajuste direto’: Hermínio Loureiro, ex-presidente da Câmara de Oliveira de Azeméis (PSD); Isidro Figueiredo, sucessor no cargo; José Oliveira, presidente da concelhia social democrata e então adjunto da presidência do município; João Moura de Sá, ex-deputado social democrata, atualmente empresário da área ambiental; um funcionário da Direção Regional Economia do Norte e, ainda, dois empresários da construção civil. Os arguidos acabaram por sair em liberdade após interrogatório judicial e aplicação de medidas de coação

Uso de dinheiros públicos, concursos viciados, empregos e tráfico de influências

O MP no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Santa Maria da Feira apurou o uso por alguns dos arguidos na Câmara de Oliveira de Azeméis, entre Janeiro de 2016 e Junho de 2017, “de montantes de fundos de maneio para benefício próprio”.

A acusação alude ao pagamento de almoços, jantares e outros gastos pessoais, “bem como forma de financiar mensalmente, no valor de 300 euros, as despesas com a sede concelhia de partido político”, imputando, nestes casos, crimes de peculato e de falsificação de documento agravada.

O comunicado dá conta também de “viciação de dois procedimentos concursais iniciados no município de Oliveira de Azeméis em 2015, para lugares de assistente operacional e de assistente técnica”. O que terá passado pela entrega a duas candidatas, em momento prévio ao exame, do enunciado da prova a realizar e pela sua posterior colocação mediante o uso do mecanismo de reserva de recrutamento (crimes de abuso de poderes, violação de segredo, corrupção passiva, corrupção activa e participação económica em negócio).

O MP refere igualmente “o uso de influência”, de elementos do executivo da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, perante a direcção de uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), em 2014 e 2016, para concretizar estágio profissional para o filho e a filha de um simpatizante partidário (crimes de tráfico de influências e de abuso de poderes).

São referidas na acusação diligências efectuadas pelo presidente da autarquia de Oliveira de Azeméis, em 2014 e 2015, a pedido de secretário do gabinete de apoio à presidência, “usando de persuasão junto de pessoas capazes de influenciar a decisão, com vista que fosse aprovado no IAPMEI um projecto de financiamento em que era interessada a empresa do pai deste secretário”, estando em causa crimes tráfico de influência para acto ilícito agravado e de abuso de poderes.

O MP alude à celebração pela Câmara oliveirense de 2010 a 2015, por ajuste directo, de sucessivos contratos de prestação de serviços sempre a favor do mesmo beneficiário, “que usava para o efeito empresas diversas para formalmente encobrir a violação das regras de contratação pública”, incorrendo em crime de prevaricação.

Esquema para beneficiar clubes de futebol

Existem indícios igualmente do “engendramento de um esquema que, sob a capa de contratos-programa celebrados com clubes desportivos e com documentação não condizente com a realidade, possibilitasse à Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis proceder ao pagamento, em 2016 e 2017, de obras de colocação de relvado sintético em dois campos de futebol, que determinara em data anterior a Junho de 2010 e que nesse ano e em 2011 foram executadas, como se tais obras tivessem sido realizadas em 2016”, de forma que “tivessem sido a mando dos clubes envolvidos e no âmbito dos referidos contratos-programa (crimes de peculato, prevaricação, corrupção activa, corrupção passiva, falsificação de documentos).

Outros casos

» Realização de obras patrocinadas pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis em instalações desportivas pertença de junta de freguesia, sem qualquer procedimento ao abrigo da contratação pública -crimes de prevaricação, falsificação de documento (corrupção passiva, corrupção activa, peculato);

» Realização de obras em instalações de clube desportivo, pagas em 2016 pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, sem que estivessem concluídas e à comparticipação de obras em auditório de escola através da atribuição de verba mediante contrato-programa a entidade que não era proprietária ou detentora do referido auditório (crimes de corrupção passiva, corrupção activa, prevaricação, falsificação de documentos, peculato);

» Contratação de cinco empreitadas de obras públicas pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, com uma empresa de construção civil e à sua execução prática, a troco de quantias entregues por esta empresa para ser beneficiária das referidas contratações (crimes de corrupção passiva, corrupção activa, prevaricação, participação económica em negócio, peculato, falsificação de documentos, abuso de poderes, violação de segredo”;

» Favorecimento de empresário pelas Câmaras Municipais de Estarreja, Matosinhos e Gondomar nos procedimentos de contratação pública de 2016 e 2017 (crimes de corrupção passiva, corrupção activa e prevaricação);

» Realização, em 2017, de uma obra particular, que beneficiava munícipe de Albergaria-a-Velha, por conta desta Câmara Municipal, com os custos diluídos em empreitada de obras públicas cujo procedimento corria paralelamente (corrupção activa, corrupção passiva, falsificação de documentos);

» Favorecimento de empresário por funcionário da Direcção Regional de Economia do Norte, de 2010 a 2017, a troco de vantagens económicas, intercedendo e favorecendo sociedades em processos contra-ordenacionais e administrativos (corrupção passiva, corrupção passiva).

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