A vida é uma corrida

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Imagem genérica.

A partir do dia seguinte, cada um pôs em marcha a sua técnica de engate e, cedo, Preciosa se apercebeu do interesse dos manos Rodrigues, não lhe desagradando, bem pelo contrário, ver-se alvo de tal disputa, pois, também ela, loura platinada, se tinha sentido atraída pelo moreno.

Por Diamantino Dias *

Vítor e Pedro eram falsos gémeos, filhos de uma psicóloga e de um oficial do exército. Viveram uma infância normal, mas, cedo, a mãe, especialista em pedopsicologia, notou que os filhos eram anormalmente dotados de um elevadíssimo grau de competitividade. Começaram a andar quase ao mesmo tempo e, tal como faziam quando gatinhavam, parecia que estavam sempre a competir para ver quem chegava mais longe e mais depressa. Principiaram a falar na mesma altura e os seus progressos linguísticos verificaram-se rápida e simultaneamente.

Quando atingiram a fase dos brinquedos, preferiam os jogos, procurando cada um ganhar; porém, independentemente do resultado, nunca se zangavam. A mãe acompanhava com atenção estas competições e, dado que os dois irmãos eram muito amigos, só se preocupava com que as disputas se efectuassem dentro das boas normas e sem excessos.

Iniciaram-se, cedo, nas actividades desportivas e curiosamente escolheram as modalidades individuais – natação e atletismo -, onde competiam não só contra os adversários, mas também e especialmente um com o outro. Quando integraram a equipa de andebol da escola, só se sentia plenamente vencedor o que, tendo ganho o jogo, tivesse marcado mais golos do que o irmão.

Esta atitude mantinha-se nos estudos, com óptimos resultados, tendo decidido seguirem o mesmo curso, na área da Informática.

Um dia, um colega e amigo da Faculdade faleceu com o pai num terrível acidente de viação e, no funeral, conheceram a irmã. Tratava-se de uma família muito rica: herdade no Alentejo, vivenda no Estoril, dois grandes imóveis nas Avenidas Novas e acções da Banca e dos Seguros.

À noite, antes de começarem a estudar, Vítor disse:

– Pedrocas, topaste a garota? Não só é muito gira, mas também é cá um partido! Como sabes nunca me interessei muito por gajas, mas esta vai levar-me ao altar.

– Vitó, tiraste-me as palavras da boca. Desde que a conheci, não tenho pensado noutra coisa.

– Ó meu, mano não empata mano. Vamos a isto, faz o teu jogo que eu vou fazer o meu.

– Põe-te a pau, pois sabes bem que eu sou mais rápido do que tu.

Os irmãos tinham a mesma estatura e sensivelmente o mesmo peso, mas Vítor tinha herdado o cabelo louro e a pele clara da mãe, enquanto Pedro era moreno, de cabelo preto como o pai.

A partir do dia seguinte, cada um pôs em marcha a sua técnica de engate e, cedo, Preciosa se apercebeu do interesse dos manos Rodrigues, não lhe desagradando, bem pelo contrário, ver-se alvo de tal disputa, pois, também ela, loura platinada, se tinha sentido atraída pelo moreno.

O namoro foi formalizado, alguns meses depois de se terem conhecido, merecendo a aprovação da mãe de Preciosa, Dona Isabel Ataíde, e Vítor, como era da praxe, aceitou a derrota sem azedume.

Ao fim de dois anos, os irmãos terminaram os respectivos cursos, arranjaram rapidamente colocação e, alguns meses depois, Pedro pediu a mão de Preciosa, tendo-se o casamento realizado com grande pompa, na herdade familiar do Alentejo. Em Lisboa, o casal ficou a viver em casa de Dona Isabel que, mau grado ser uma mulher de quarenta e três anos muito bem conservados e gozar de boa saúde, fez saber que não lhe agradaria “ficar sozinha naquele casarão”.

O relacionamento dos dois irmãos continuou a ser óptimo, tendo-se Vítor tornado uma visita frequente, e por todos bem vinda, da casa onde vivia Pedro, chegando mesmo a passar não só alguns fins de semana com o casal e Dona Preciosa, na herdade alentejana, mas também alguns dias de Agosto, na vivenda de São João do Estoril.

No princípio da Primavera, Pedro foi convidado para fazer um estágio de seis meses, na sede da multinacional norte americana para quem trabalhava como estagiário, e aproveitou para levar Preciosa consigo, dado que tinha possibilidades financeiras de o fazer e, estando casados há pouco tempo, não agradaria ao casal uma separação prolongada.

Quando voltaram a Portugal, organizaram um jantar com as duas famílias e pessoas amigas. Depois da sobremesa, Pedro usou da palavra:

– Minha sogra, meus pais, caros amigos, a minha mulher e eu queremos, em primeiro lugar, agradecer-vos o terem acedido a estarem presentes neste convívio, pois tivemos muitas saudades de todos vós, durante esta ausência que, para nós, pareceu uma eternidade. Em segundo lugar, aproveitamos a oportunidade para vos fazer uma comunicação importante e outra importantíssima: neste momento, já faço parte do quadro de engenheiros da empresa e, dentro de seis meses, a minha mulher vai ser mãe da nossa primeira filha.

Toda a gente manifestou uma grande satisfação e apresentou as mais vivas felicitações ao casal, tendo alguns usado da palavra, sendo o último Vítor Rodrigues:

– Parabéns mano, parabéns cunhada. Estou extremamente feliz com as boas notícias, muito em especial por saber que vou ser tio. Aproveito a oportunidade para dizer que estava à espera do vosso regresso para, também eu, vos dar uma notícia em primeira mão: dentro de dois meses vai haver mais uma grande festa nesta família – a do meu casamento com a sogra do meu irmão, Isabel Ataíde.

Espanto geral, parabéns mais ou menos sinceros, brindes, terminados os quais se formaram pequenos grupos, comentando as novidades. Como seria inevitável, os dois irmãos acabaram por se encontrar a sós.

– Dá cá um abraço, Vitó. Mau grado o bom e frequente relacionamento que eu sabia que mantinhas com a minha sogra, nunca me passou pela cabeça que eu viesse a acabar por ter um irmão-sogro. Já agora, que espécie de casamento vão vocês contrair? Civil, religioso?

– Pedrocas, civil, religioso e com comunhão de bens. Logo, diz adeus à projectada e desejada herança. Lembras-te de quando me disseste: “Põe-te a pau pois sabes bem que eu sou mais rápido do que tu.” Esqueceste-te de que eu era o melhor nas corridas de fundo.

– Vitó, não nos vamos zangar… bem sabes que eu sempre soube perder. Mas há uma vitória que não me podes tirar: vou ser pai primeiro do que tu.

– Pensas tu que sim, mas tu vais ter um sobrinho-cunhado, dentro de cinco meses. Sabes, nesta tua ausência, tenho melhorado bastante as minhas marcas na velocidade, pois tenho treinado muito, dando especial atenção à técnica das partidas.

Nota — O autor não escreve segundo as normas do actual Acordo Ortográfico.

* Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, Técnico Superior Assessor Principal da Câmara de Aveiro – reformado (página do autor em Aveiro e Cultura)

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