Sem querer “desmanchar prazeres” é esperável que tudo se mantenha no primeiro semestre de 2021 em matéria de medidas de prevenção. Senão pondere-se: nem 10% da população (ainda que a mais vulnerável) estará, presuntivamente, vacinada até abril, com outro tanto de imunidade natural adquirida.
Por António de Sousa Uva *
Continuando a não dar grande importância às questões da vogal aberta ou fechada (mas em português a vogal é, de certeza, fechada), a campanha de vacinação contra a COVID-19 começou, até uma semana antes do previsto.
A disciplina da Alemanha antecipou mesmo a data acordada na União Europeia como mensagem forte de união, o que revela o que todos já sabemos: há uns mais iguais do que os outros e, como se sabe, só às vezes as instituições podem parecer fortes com os fracos, porque são quase sempre fracos com os fortes. Esses aspectos (quase) nunca mudam …
A Europa tem quase vinte milhões de casos de doença (cerca de um quarto do total mundial) e Portugal está, proporcionalmente, na ordem de grandeza dos seus 2% de importância relativa e ligeiramente melhor na taxa de letalidade.
Tal como alguns tinham previsto, o afrouxamento do distanciamento físico do Natal já revelou o que parecia, igualmente, previsível objectivado até por análises epidemiológicas de alguns casos já realizadas no decurso desta semana. Veremos o que as duas próximas semanas nos vão revelar.
Terá sido suficientemente elucidativo o esclarecimento das Autoridades de Saúde a nível central sobre a realização de testes de diagnóstico prévios às consoadas mais alargadas (uma espécie de carimbar o ovo antes do consumo)? Qual a validade desse “carimbo”?
Um teste negativo, realizado sem critérios médicos, um, dois, três ou mesmo quatro dias antes das festas (um pouco “ao calhas”, mas sempre a montante), serve para alguma coisa?
Apesar de compreensível, o “relaxamento” natalício justificava-se?
Ter-se-á tido consciência do seu preço (potencial) em internamentos hospitalares (incluindo UCI) e óbitos?
Poder-se-á adjectivar como “demagógicas” essas medidas facilitadoras da “saúde familiar” e pelo menos discutíveis em matéria de Saúde Pública?
Justificar-se-á a diferença pronunciada entre políticas públicas entre o Natal e Fim do Ano?
Todos sabemos (e conhecemos) a fadiga pandémica em que vivemos e a popularidade de uma medida de “relaxe” como a que tivemos no Natal. O grande e verdadeiro problema dessa discrepância ente as politics e as policies é que a partícula viral (o SARS-CoV-2), infelizmente, não celebra o Natal.
Sem querer “desmanchar prazeres” é esperável que tudo se mantenha no primeiro semestre de 2021 em matéria de medidas de prevenção. Senão pondere-se: nem 10% da população (ainda que a mais vulnerável) estará, presuntivamente, vacinada até abril, com outro tanto de imunidade natural adquirida. Com mais quatro a seis semanas para que o sistema imunológico faça o seu trabalho, não será, seguramente, suficiente para dificultar significativamente a circulação do vírus nesse período de tempo..
Esperemos que o outono/inverno de 2021/22 seja diferente, porque é isso que todos queremos. Até lá qualquer relaxe não tem justificação em matéria de Saúde Pública e julga-se mesmo que adia a recuperação da nossa Economia que é igualmente indispensável em Saúde Pública. Dito de outra forma, a facilitação das medidas de distanciamento físico pode ser viciosa (uma forma de dificultar o combate ao “mau da fita”). Iremos ver o mesmo na Páscoa? Esperemos que tal não suceda!
* Médico do trabalho, Imunoalergologista e Professor catedrático da NOVA (ENSP). Artigo publicado originalmente no site Healthnews.