A terra: o mais importante instrumento de produção

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E se… a terra fosse mesmo o instrumento fundamental de produção de alimentos ao serviço de quem produz e de quem consome?
E se deixássemos todos de ter complexos com a posse e o uso da terra?

Por Joaquim Manuel Lopes *

Porque nuns casos são mesmo complexos, noutros são interesses económico-financeiros, patrimoniais, históricos e ou políticos, que arrastaram durante muitos anos o país para uma situação anómala que foi e é continuar a ter terra abandonada ou indevidamente aproveitada, continuarmos a importar alimentos de diferentes partes do mundo – que aqui podemos e devemos produzir – abandonando uma enorme faixa do interior do país à sua má sorte, para proteger todos os complexos e outros interesses de muito boa gente que na maioria das vezes nada tem que ver com os que mourejam por esses campos fora dia e noite para nos alimentar.

Pois bem, a terra é o mais importante instrumento de produção que o homem tem à sua disposição para produzir a sua alimentação. Como tal, deve estar ao serviço do povo português e da sua alimentação bem como ao serviço da estratégia produtiva do país, e não dos interesses dos grandes proprietários ou do grande capital financeiro, cujo objectivo central é explorar os solos até à exaustão e ganhar o mais possível no menor espaço temporal, ou dos interesses políticos que representam os anteriores.

E tão lestos que os nossos governantes foram a tentar expropriar, sim e eu escrevo tentar porque acho que isto ainda não acabou, a chamada “terra sem dono”, em nome dos interesses das celuloses, como se fossem os pequenos produtores florestais os responsáveis pelos incêndios e não as grandes empresas do papel que o pagam mal, inviabilizando as pequenas explorações, tal como a grande distribuição é responsável pela dificuldade de escoamento das pequenas explorações. E neste particular que melhor conheço, alerto que não basta permitir legalmente criar novas organizações de produtores sem intervenção político-legislativa mais profunda a montante e a jusante da pequena e média agricultura… bem podem os nossos governantes propagandear medidas de apoio a este tipo de agricultura, mas ela irá continuar adiada sine-dia, sem bazuca que a salve.

Identificando alguns dos estrangulamentos sem esgotar ou inviabilizar outras reflexões, e a título de exemplo, deixo algumas reflexões minhas.
A montante, um dos grandes problemas é a falta de terra, com qualidade, especialmente a regada, disponível e a preços aceitáveis e logo viáveis para quem quiser aumentar as suas explorações ou, mais importante ainda, para quem se queira instalar de novo.

Por isso há muito defendo a criação de uma reserva estratégica de solo agrícola, que possa ser colocado ao serviço de gente nova e nova gente usando a figura do contrato de arrendamento de longa duração com o Estado, que deve ser o titular da reserva estratégica, assegurando que a continuidade preferencial dos herdeiros se fará desde que respeitem a estratégia produtiva nacional regressando ao domínio público sempre que haja desistência do seu uso ou uso indevido ou desadequado.
Dirão os que nem querem ouvir falar do assunto: e onde vais tu arranjar a terra? Pois bem, pode ser obtida a partir da expropriação e/ou compra de parte de grandes propriedades, bastando lembrar que no caso dos perímetros de rega a valorização da terra sofreu um aumento brutal, enchendo os bolsos a proprietários sem capacidade para a explorar, isto com um investimento público assinalável, sem grandes contrapartidas para a esmagadora maioria do povo português.

Não defendo que os proprietários da terra paguem seja o que for pelo beneficio da rega, mas sim pôr um limite à dimensão das áreas de exploração directa da terra, especialmente a de regadio.

Não basta continuar a encher a boca de povoamento do Interior. Isso só será conseguido por esta via e pela segunda, a jusante, é fundamental para viabilizar as explorações que vierem a nascer nesses territórios.

Uma é o apoio ao surgimento de estruturas de consumidores que se organizem em função das necessidades de consumo dos consumidores locais e nas regiões vizinhas.
Outra, e não menos importante, é as compras públicas terem como referências principais a origem de proximidade da produção, o contributo para as economias locais, a qualidade dos produtos e, por último, o preço.

Por último um desafio a quem ler estas linhas, e se…? tudo o que produzimos localmente for industrializado em cada uma das regiões, quantos postos de trabalho especializado serão criados?

Pensemos nisto em função dos interesses do nosso povo.

E certamente o nosso povo nos agradecerá.

* Membro da direção da Confederação Nacional de Agricultura (CNA). Artigo publicado em https://cna.pt.

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