A Saúde nas Autarquias – superar a regra 80/20

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Hospital de Aveiro.
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O atual momento reveste-se de particular importância para uma forte intervenção no domínio da saúde pública.

Por Gonçalo Santinha *

O princípio de Pareto, também conhecido pela regra 80/20, é usado para explicar muitos fenómenos. De uma forma simples, este princípio diz-nos que 20% dos fatores são responsáveis por 80% dos efeitos observados. Embora com menos projeção científica e mediática, é possível encontrar no campo da saúde alguns estudos que apontam para que também nela assim seja.

Em 1997, Mark Woolhouse, da Universidade de Edimburgo, propôs a regra 80/20 para descrever a transmissão de certas doenças infetocontagiosas. Para o VIH e a malária, 20% dos casos eram responsáveis por 80% da transmissão. Esta ideia de superdisseminação verificou-se também com a epidemia de SARS de 2003, em que 20% dos casos provocaram quase 90% de transmissão, havendo já estudos a respeito da Covid-19 que apontam para um comportamento similar.

Mas a aplicação deste princípio no campo da saúde não se cinge à transmissão de doenças.

Num amplo estudo realizado em 2009, Earl Ford, epidemiologista do Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta, concluiu que a combinação de um número reduzido de fatores de estilo de vida saudável está associada a uma redução até 80% no risco de desenvolver doenças crónicas, o que vem reforçar as recomendações atuais de saúde pública.

É certo que as orientações de política pública em Portugal nestes últimos anos não deixam de sublinhar que a promoção da saúde e a prevenção da doença são fatores fundamentais e transversais a todos os níveis de prestação de cuidados de saúde. Contudo, a verba pública que tem sido aplicada a esta componente continua a ser insignificante. Na verdade, quase 80% das despesas são utilizadas nos cuidados curativos, de reabilitação e continuados.

O atual momento reveste-se de particular importância para uma forte intervenção no domínio da saúde pública.

Por um lado, porque estes efeitos de crise tendem a agravar o fosso das desigualdades sociais e a aumentar a fragilidade das relações sociais e da solidariedade.

Por outro, porque acrescenta aos efeitos negativos na saúde provocados pela crise económico-financeira de 2008 (e.g. aumento de violência, depressão, consumo de álcool e outras substâncias), impactos diretos na saúde com a consequente pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde e os outros sistemas sociais.

É neste domínio que as autarquias podem desempenhar um papel extremamente importante. São atores privilegiados para desenvolver uma política de proximidade com os diversos agentes da sociedade civil e promover uma participação ativa da comunidade na definição de uma clara Estratégia Municipal de Saúde.

Uma Estratégia [Municipal de Saúde] que contemple linhas gerais de ação, metas, indicadores, atividades, recursos e calendarização, e que encontre soluções para fazer frente ao agravamento de condições sociais e económicas do período atual e antecipe fenómenos atípicos similares.

Iniciado formalmente em 2019, o processo de descentralização administrativa atualmente em curso até 2021, com a transferência de competências para as autarquias no domínio da saúde, prevê precisamente a elaboração das referidas Estratégias Municipais de Saúde.

No entanto, somente cerca de 20% dos municípios portugueses é que aceitaram incluir a saúde no pacote de descentralização nestes dois anos.

É certo que se trata de um desafio diferente e adicional ao papel que as autarquias locais já desempenham.

Mas os municípios nacionais não estão isolados. Os relatórios da OCDE (junho de 2020) sobre os impactos territoriais da Covid-19 e as várias respostas da Administração Central, Regional e Local, e da ONU (julho de 2020), apresentando algumas respostas por parte de autarquias locais consideradas boas práticas neste processo, podem constituir um bom ponto de partida para um necessário processo de aprendizagem.

Pela saúde de todos nós que não tardem as respostas dos restantes 80% municípios. A Saúde Pública agradece.

* Professor e Investigador na Universidade de Aveiro / PLATAFORMAcidades – grupo de reflexão cívica.

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