A Política das Smart Cities

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Aveiro Steam City.

Quem é que vai definir os critérios de recolha de dados, e posteriores algoritmos de analise?

Por João Moniz *

Há uns meses, foi anunciado com o projeto Aveiro STEAM City, que tem como objetivo “trazer para a cidade uma nova revolução tecnológica, com a adoção de infraestruturas e tecnologias 5G e IoT – Internet of Things (Internet das Coisas).”

O projeto mobiliza um investimento considerável, envolve várias áreas de atuação e resulta de uma parceria entre instituições publicas e a privadas.

Segundo a informação publica disponível online, o projeto vai incidir sobretudo na área da mobilidade, ambiente e energia. Trata-se, portanto, de um projeto de Smart Cities. No entanto, por detrás do discurso laudatório, existe um debate político importante que deve ser feito.

Quem é que vai definir os critérios de recolha de dados, e posteriores algoritmos de analise? A definição destes critérios pode ser instrumentalizada para benefício de um punhado de empresas, em detrimento da maioria da sociedade.

Se aceitarmos que o caminho é a implementação destas ferramentas, estas não podem ignorar o interesse geral das populações, nem ficar à margem da democracia ou do debate público. Não podemos aceitar que estas ferramentas se tornem em mais um mecanismo de definição de políticas e gestão autárquica alheado da deliberação democrática.

Quem deterá a propriedade destas ferramentas e consequentes bases de dados e dos algoritmos? Dentro do contexto alargado de privatização de serviços públicos, nada nos garante que o mesmo não vai acontecer com os modelos e dados gerados por estas ferramentas.

Imagine-se a situação onde as autarquias ficam dependentes de bases de dados privadas para a sua definição de políticas – potencialmente, as plataformas digitais terão espaço para exercer influência e pressão nos executivos locais, enviesando as políticas municipais em proveito próprio, à custa da restante sociedade. Por isso, o controlo destas ferramentas tem de ser inteiramente público e gerido com a maior transparência.

Podemos colocar à consideração dois cenários distintos. No primeiro, as autarquias utilizam estas ferramentas para, por exemplo, otimizar a periodicidade dos sinais de trânsito luminosos, gerir de forma mais eficiente os transportes públicos e estacionamento, ou para otimizar a gestão da iluminação publica.

Ou, em contrapartida, podemos antecipar o cenário em que uma empresa como a Uber pague para ter acesso aos dados, ou que determine as próprias ferramentas IdC aplicadas ao contexto municipal, para gerir mais eficientemente o seu modelo de negócio. Estas ferramentas não são neutras e os seus usos vão depender das opções dos responsáveis políticos.

Um exemplo disto é o projeto Quayside na cidade canadiana de Toronto, desenvolvido em parecia com o Sidewalk Labs da Google. Segundo uma notícia do mês passado reportada no site do jornal The Guardian, o projeto tem vindo a suscitar alertas de peritos sobre falta de transparência e potencias abusos na recolha e utilização dos dados levados a cabo pelo projeto.

O que está em causa é o uso publico versus o uso privado destas ferramentas. Se por um lado é possível imaginar um modo benéfico para a utilização destas ferramentas, de forma a produzir ganhos de eficiência conduzidos por critérios de justiça social, também é possível imaginar o cenário em que as ferramentas e os seus resultados possam vir a ser instrumentalizados em favor da acumulação de lucro de poucos, ignorando necessidades sociais. Os responsáveis políticos têm de assumir todos os potenciais riscos, sem isso é impossível debater estas questões forma séria.

Ainda não sabemos qual vai ser a abrangência ou extensão da aplicação das IdCs em Aveiro, no entanto todas estas questões que foram colocadas ficaram completamente indefinidas, por trás dos discursos acríticos sobre desenvolvimento e inovação tecnológica dos proponentes. É preciso fazer esse debate.

João Moniz.

* Bolseiro de Investigação Científica na Universidade de Aveiro. Membro do Bloco de Esquerda de Aveiro na lista da Assembleia Municipal ([email protected]).

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