A necessidade de criar oficialmente o sector do enoturismo

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Caves São Domingos (enoturismo).

O contributo do enoturismo para a economia nacional é relevante, mas os problemas que enfrenta ainda não estão solucionados.

Por Luís Sá Souto | [email protected] *

Em Portugal, existe ainda uma noção redutora e alguma confusão sobre o que é enoturismo. Por essa razão, a Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO) criou uma definição de enoturismo, acrescentando à definição existente (e já desactualizada) o conceito de enoturismo urbano, mais abrangente, que quer ver defendida por todos.

Para a APENO, “o enoturismo é uma agregação de actividades turísticas que se centra na experiência motivada pela apreciação dos vinhos, associada às radições e cultura locais, seja em ambiente rural ou urbano”. Ou seja, pode ser praticado em ambiente rural, nas adegas, mas também em restaurantes, hotéis, garrafeiras, wine bars, entre outros espaços que promovam actividades de enoturismo, no campo ou nas cidades.

É esta, actualmente, a realidade do enoturismo. No entanto, apesar deste enorme boom turístico ao redor do vinho, o enoturismo é um sector que não está oficializado. Não existe legislação, nem regulamentação específica, nem categorias profissionais relacionadas com o enoturismo. Não existe uma subclasse da Classificação de Actividade Económica (CAE) nem um Código de IRS (CIRS) para os profissionais do sector.

Desde o início da sua existência, a APENO tenta alertar para a necessidade de criar oficialmente o sector do enoturismo, entre as quais, a criação de um CAE (subclasse) e de um CIRS que nos permita organizar e quantificar o enoturismo. E são muitos os pedidos de empresários, estudantes e académicos para conhecer números que sirvam de base para investigar, entender ou investir no sector (números ainda inexistentes). Infelizmente, não os temos para dar.

Esta organização oficial do sector pretendida pelos operadores de enoturismo tem sido desvalorizada pelo Turismo de Portugal e pela Secretaria de Estado do Turismo, com quem já reunimos e nos apresentam argumentos que consideramos inválidos.

Passamos a explicar porquê: A CAE é importante para fins estatísticos, para o empresário definir o que pode facturar, definir os licenciamentos, definir candidaturas e apoios a fundos comunitários. Sem uma CAE ou subclasse não temos dados oficiais do enoturismo e todas as estatísticas são obtidas por estimativas.

O Banco de Portugal considera os dados do enoturismo retirados a partir dos CAE REV.3 das empresas com a actividade principal – classe 1102 indústria do vinho e, pelo menos, uma actividade secundária: de comércio a retalho (47); e/ou alojamento e restauração (55, 56); e/ou actividades artísticas e culturais e outros serviços (79900, 82300, 90010, 91020, 93292, 93293, 93294).

Como não se define correctamente o enoturismo, todos os dados apresentados estão subvalorizados e, consequentemente, o enoturismo é subvalorizado. É certo que as empresas têm uma contabilidade analítica interna que apura os resultados do enoturismo, mas são dados internos que não divulgam publicamente.

No que diz respeito às candidaturas a fundos de apoio ao investimento, também aqui encontramos problemas por não haver uma CAE específica. Ou seja, os empresários podem candidatar-se a estes fundos, mas sempre através de uma CAE secundária, que não retrata o enoturismo, como por exemplo a exploração de restaurante ou hotéis.

Além disso, os critérios de selecção e majorações destes fundos não têm em conta as necessidades do enoturismo, indo apenas ao encontro dos critérios dos restaurantes e hotéis em geral. Ou seja, os critérios aplicados muitas vezes prejudicam os investimentos em enoturismo em comparação a outro tipo de investimentos.

Na APENO, estamos também a trabalhar no sentido de definir uma forma de facturação uniforme para que todas as empresas que se dedicam ao enoturismo o contabilizem da mesma forma.

Consideramos que as receitas de enoturismo são: serviços de enoturismo (provas de vinho, visitas, eventos e outras actividades relacionadas); venda de vinho nas lojas próprias, eventos organizados e uma percentagem da venda dos vinhos exportados. Contabilizando desta forma, temos a real facturação do enoturismo.

O enoturismo é um produto muito importante para a estratégia do Turismo de Portugal, pela sua capacidade de promover o desenvolvimento do território, de valorizar os produtos endógenos, onde Portugal tem uma clara vantagem competitiva, e pelo potencial de atracção de segmentos de mercado de longa distância.

Apesar de tudo isto, baseada em estatísticas do turismo e do vinho, a APENO fez as suas estimativas e tem uma noção de qual é o contributo do enoturismo para a economia nacional. O crescimento de entrada de turistas em Portugal é de 47,6% (2015-2019), e o enoturista gasta em média mais 18% a 52% do que o turista normal (Fonte: Average Annual Growth Rate (TCMA). Já o mercado mundial global do enoturismo terá gerado receitas próximas dos nove mil milhões de dólares, em 2020, ainda que fortemente atingido pela pandemia. Em 2030, o enoturismo pode vir a representar quase quatro vezes mais, aproximando-se dos trinta mil milhões de dólares. Trata-se de uma perspectiva francamente favorável para as empresas que venham a desenvolver projectos nesta área de actividade, nos próximos anos quer em Portugal como no resto do mundo (fonte: Statista).

Aplicado o Index score desenvolvido pela Statista aos principais destinos mundiais de enoturismo, Portugal assume a segunda posição neste top 10 mundial, apenas ultrapassado pela Itália e à frente de outras duas grandes potências mundiais na produção de vinho, como são Espanha e França. É evidente uma absoluta liderança dos países do Sul da Europa, com cinco destinos nos seis primeiros lugares, em oposição aos destinos do chamado “novo mundo”, como a Austrália, a Nova Zelândia, os Estados Unidos e a Argentina.

O enoturismo é um produto muito importante para a estratégia do Turismo de Portugal, pela sua capacidade de promover o desenvolvimento do território, de valorizar os produtos endógenos, onde Portugal tem uma clara vantagem competitiva, e pelo potencial de atracção de segmentos de mercado de longa distância, que ficam mais tempo e gastam mais. Seremos tolos se não aproveitarmos esta oportunidade de uma forma objectiva e organizada.

A falta de dados oficiais, a subvalorização da facturação do enoturismo devido à não existência de uma subclasse de actividade económica (subclasse do CAE) e uma forma comum de imputar as reais receitas do enoturismo vão necessariamente implicar uma menor propensão ao investimento pelos empresários que se dedicam ao enoturismo; uma menor captação de investimento externo; uma menor valorização dos recursos humanos existentes; e uma menor eficiência na afectação de recursos públicos.

Por outro lado, a criação de um CIRS iria igualmente permitir saber, por exemplo, quantos profissionais existem a trabalhar no sector do enoturismo (actualmente um profissional a trabalhar no sector de enoturismo está enquadrado em diversos CIRS: 1319 – comissionista; 1320 – consultor; 1326 – guia-intérprete; 1519 – outros prestadores de serviços). A Proposta da APENO passa pela criação do CIRS 1337 – técnico de enoturismo. Desta forma podem ser preparadas acções de formação profissional mais específicas e direccionadas, que dignificam o profissional de enoturismo.

E a nível internacional, como é que outros países organizam o sector? A situação não é melhor. Existe apenas a chamada “Carta Europeia de Enoturismo”, que é um documento de consenso que define o conceito de enoturismo a nível europeu e estabelece as linhas de participação e cooperação dos vários agentes para o seu desenvolvimento e auto-regulação.

Surgiu em 2006, sendo um dos resultados do projecto Vintur, no âmbito da Rede Europeia das Cidades do Vinho, na sequência da necessidade de potenciar os recursos e as competências adquiridas pelos países europeus de vocação turística no sector do enoturismo, com o objectivo de conceber uma oferta enoturística europeia com regras e parâmetros de qualidade. Mas nada mais, não existe legislação obrigatória nem CAE para o sector.

No entanto, o facto de não existir noutros países não quer dizer que Portugal não possa fazer um trabalho pioneiro nesta área, quer seja na criação de uma CAE (subclasse), de um código IRS, ou de regras específicas para o sector, como também na realização de estudos aprofundados de enoturismo.

* Vice-presidente da Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO). Artigo publicado na revista ‘Cadernos de Economia’ da Ordem dos Economistas.

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