As crises económicas são cíclicas e os seus efeitos devastadores com especial incidência sobre as mulheres.
Rita Baptista *
No passado dia 14 deste mês, as manifestações – também em Aveiro – contra a violência doméstica demonstram o muito caminho que há ainda a percorrer. Todas as formas de violência de género são formas de expressão de desigualdade que persiste entre mulheres e homens.
Centremo-nos na tríade: indignação, reivindicação, conquista.
Indignação
Vamos a números. São já 11 mulheres em menos de 2 meses. No ano passado morreram 28. Em outubro do ano passado já eram mais as vítimas por violência de género que em todo o ano de 2017.
O único crime que aumentou em Portugal foi o crime violento contra as mulheres. Portugal é dos países mais seguros para se viver, mas não se se é mulher. Aveiro não é exceção nestas estatísticas.
Cada dia que uma mulher é agredida, que morre pelo facto de ser mulher, todos temos que nos indignar. E saímos à rua, e sairemos, todos os dias que a denúncia o exigir, porque a luta é contínua, se faz dia a dia até que este número seja zero.
E sabemos que só uma resposta coletiva poderá eliminar o problema. Nós, enquanto sociedade, não podemos baixar os braços perante episódios como o do “esfrega”, do assédio, da agressão, da violação, da violência doméstica. Uma luta que se faz todos os dias, porque todos os dias nos lembramos das vítimas mortais.
Porque o machismo agride, o machismo degrada, o machismo mata.
Reivindicação
Temos lacunas graves nos direitos laborais. Há uma brecha salarial entre mulheres e homens para o desempenho das mesmas funções. Essa brecha representa dois meses que uma mulher trabalha a mais que um homem para a realização do mesmo trabalho. É discriminatório, penalizador da mulher enquanto trabalhadora e é a realidade de tantas que trabalham em Portugal.
As crises económicas são cíclicas e os seus efeitos devastadores com especial incidência sobre as mulheres: as mulheres são as primeiras a cair em situação de desemprego, são as mulheres as mais vulneráveis na sua relação laboral, as mais precárias.
São também na maioria mulheres as que assumem o papel de progenitora nas famílias monoparentais.
São também, maioritariamente, mulheres as que fazem trabalho não remunerado, quer seja nos cuidados a menores ou a idosos, quer seja nas tarefas domésticas.
E por tudo isso é sobre as mulheres que há maior risco de cair na pobreza.
Temos lacunas graves no nosso sistema judicial. Não é aceitável que em pleno séc.XXI, um dos pilares de uma democracia – a Justiça – e seus representantes, recorram a passagens bíblicas, excertos de código penal do séc. XIX, fazendo apologia da pena de morte por adultério. Não é igualmente aceitável que esses mesmos representantes escrevam numa mesma frase “sedução mútua” e “mulher inconsciente” e esperem que a sociedade os/as leve a sério. Ou que uma mulher por ser economicamente independente a que decidem dar o epíteto de “mulher moderna” só é vítima de violência doméstica porque quer. E podia continuar neste rol de casos que tem na base uma moral de comportamento imposta sobre as mulheres, desculpadora do agressor e banalizadora da violência exercida sobre estas. Onde acordos dos tribunais perpetuam este tipo de violência, não só nas decisões que culpabilizam a vítima, mas mais perigoso, vitimizam o agressor. Viveremos numa verdadeira democracia quando toda a justiça machista for erradicada.
Conquista
Sabemos bem que direitos conquistados não ficam marcados na pedra – os anos da Troika demonstraram-nos isso. Portanto, sabendo que a luta é permanente, as mulheres têm que a continuar para conquistarmos o direito pleno e absoluto sobre os nossos corpos. Seja na forma como nos vestimos ou despimos, nos maquilhamos, no local de trabalho ou em casa. Seja quando decidimos ou não ter filhos, seja na luta pela não discriminação. Assistimos globalmente uma tentativa de apropriação do corpo da mulher. Desde Donald “grab-them-by-the-pussy” Trump, e o seu nomeado para o Tribunal Supremo – com historial reiterado de assédio sexual, a Jair Bolsonaro e as suas declarações reiteradas de profunda misoginia no Brasil.
A estratégia é a mesma: menorizar a mulher e o seu papel social, através da apropriação do seu corpo. Seja legitimando a opressão sobre a mulher, menorizando-a, pondo-a na posição de mentirosa, seja sobre o seu papel social, de dona de casa que serve para cuidar da família.
Normalizando o assédio, a cultura de violação, o uso do corpo da mulher em cenários de guerra ou ditaduras como instrumento de retaliação. É contra todas estas agressões, de degradação diversa, mas de idêntica raiz que nos erguemos as vezes que forem necessárias.
Nosso corpo, nossas regras. Não é não, talvez é não. Sem um sim, é Não.
Não abdicamos de nada. Queremos direitos. E por tudo isso, por todas as que já não têm voz, por todas as ausentes, todas e todos que lutamos por uma sociedade igualitária, estaremos presentes na Greve Feminista Internacional no dia 8 de Março.
Aveiro, por não ser exceção, não tem o privilégio de ficar de fora deste movimento.
* Deputada municipal do Bloco de Esquerda.