A minha única previsão para 2025

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Indicadores.

O tempo das Festas, na proximidade da transição do ano civil, é também um tempo em que é suposto fazer previsões para o ano seguinte. Como saberão os que fazem a misericórdia de acompanhar este meu espaço de crónica, abomino fazer previsões económicas.

Por José Figueiredo *

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Não consigo esquecer o aforismo de John Kenneth Galbraith quando dizia que fazer previsões em economia é a melhor maneira de dar credibilidade ao ofício dos astrólogos. Um dos inconvenientes de fazer previsões é o risco de ser contraditado pela evolução da realidade, coisa que, em matéria de economia, pode acontecer ao mais pintado e que nos deixa sempre um pouco embaraçados. Tendo esse irritante inconveniente em vista, procurei encontrar um tópico, relevante em termos macroeconómicos e importante para vida das pessoas, mas para o qual o risco de falhar fosse relativamente baixo.

A previsão em causa é esta: as taxas de juro vão continuar a baixar, mas vão baixar mais, e mais depressa na Europa do que nos Estados Unidos. Desde que se iniciou o ciclo de baixa nas taxas de juro a evolução das taxas de referência tem sido razoavelmente harmónica de um lado e do outo do Atlântico. Quer o nosso BCE quer a Reserva Federal Americana (FED) cortaram, desde o início do ciclo e em termos acumulados, os mesmos 100 pontos base. A FED fez três movimentos, um de 50 pontos base e dois de 25, o BCE fez quatro movimentos de 25 pontos base. Contudo o mais provável é que, em 2025, os caminhos divirjam e que o BCE tenha de cortar mais depressa que a FED.

Existem várias razões para pensar assim. Desde logo, as expetativas de crescimento económico para o ano corrente são divergentes. A economia americana está a crescer próximo de 3% anualizados, provavelmente acima do potencial, enquanto a zona euro poderá crescer menos de 1%. Olhando para 2025, é provável que nos Estados Unidos o ritmo de crescimento abrande um pouco, contudo, ficará sempre muito acima da previsão do BCE de 1,1% de crescimento para a zona euro. Se há uma economia a precisar do colo da política monetária é a economia europeia e não a economia americana.

Em segundo lugar a economia americana está mais inflacionada. A última leitura do Índice de Preços no Consumidor (CPI), o registo de novembro, dá-nos 2,7% nos Estados Unidos e 2,2% na zona euro. Quanto à inflação nuclear, isto é, excluindo os elementos mais voláteis como sejam a energia e a comida temos, na mesma altura, 3,3% nos Estados Unidos e 2,7% na união monetária. Quanto a previsões para 2025 o BCE projeta 2,1%, a FED 2,5%. Ou seja, o caminho de regularização da inflação está mais avançado na Europa, embora também por cá persista esse irritante do crescimento dos preços nos serviços na casa dos 4%, o que é relevante sabendo como é grande o peso dos serviços no total do índice. Este é um tema que só vai regularizar com a moderação salarial, o que é suposto acontecer com o andar do tempo e com o recuo da inflação geral.

Finalmente há um elefante na sala que se chama Donald Trump. Os responsáveis da FED começaram a incorporar nas previsões os efeitos potenciais das putativas iniciativas económicas de Donald Trump – na verdade ninguém ignora (ou deve ignorar) que, tudo o mais igual, reduções de impostos, desregulação dos mercados, tarifas sobre importações e deportação em massa de imigrantes ilegais, são inflacionistas.

Não deve ter sido por acaso que os decisores da FED que, em setembro, previam um corte nas taxas de juro de referência de 100 pontos em 2025, tenham, nas previsões atualizadas a dezembro, reduzido essa expetativa a metade, ou seja 50 pontos base. Segundo o sempre bem informado JPMorgan as estimativas dos mercados são ainda mais pessimistas e apontam para uma redução na taxa diretora de apenas de 30 pontos base em 2025.

Na verdade, o que se constata é que a normalização das taxas de inflação vai ser mais lenta do que se previa e também que, por outro lado, os atuais níveis das taxas de juro, supostamente em zona restritiva, não atrapalham por aí além o crescimento económico nem o mercado de trabalho americanos para o qual se preveem em 2025 taxas de desemprego ligeiramente acima de 4%.

Se em cima disto colocarmos os potenciais efeitos inflacionistas das políticas prometidas por Donald Trump, não nos deve espantar excessivamente o revisionismo dos responsáveis pela FED. Se este quadro geral se mantiver seria muito difícil justificar um qualquer passo de corrida na redução das taxas de juro americanas.

Não foi sem consequências esta revisão em baixa da dimensão dos cortes nas taxas de juro de referência americanas previstas para 2025. Assim que foi conhecida do público, as bolsas deram um trambolhão, os preços dos títulos de dívida também caíram, o que quer dizer que as respetivas taxas de juro subiram, e, claro, o dólar deu um piparote para cima.

Acontece que o quadro para a Europa é completamente distinto. As previsões do crescimento económico são fracas, a regularização da inflação será mais rápida e, pior que tudo, caso se concretizem as prometidas iniciativas de política económica de Donald Trump, em particular o tema das tarifas sobre as importações, o crescimento económico europeu será ainda mais anémico.

As duas maiores economias da zona euro estão em crise embora por razões distintas. Em França trata-se de lidar com uma insustentável situação de deficit público e dívida, na Alemanha trata-se da crise de um modelo industrial que se baseava em setores industriais que agora são problemáticos (automóvel, por exemplo) e na energia barata que chegava da Rússia. Na Europa, quer a situação das economias, quer a normalização mais rápida da inflação, vão recomendar um andamento mais célere no corte das taxas de juro.

Caso se confirme a previsão deste vosso humilde criado serão boas notícias para os devedores em geral, sendo que os maiores devedores são sempre os estados. Os que têm dívida hipotecária ou dívida para consumo verão os seus orçamentos um pouco mais aliviados, os que aplicam em depósitos a prazo ou títulos indexados a taxas de mercado verão os seus rendimentos encolher. Uma das consequências deste cenário será a manutenção da força do dólar havendo operadores de mercado que preveem a paridade euro – dólar algures em 2025. Claro que tudo isto se pendura na verborreia propagandística do novo presidente americano. Obviamente nenhum de nós (nem o próprio) sabe o que vai, de facto, fazer a criatura pelo que, se tudo isto sair ao contrário, não morram de espanto.

* Economia. Artigo publicado originalmente no site Solidariedade.pt.

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