A minha actividade projectista

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Assembleia Intermunicipal, Aveiro (edifício da antiga Assembleia Distrital).

Longa, vária e invulgar seria a narrativa que um dia me propusesse escrever sobre o que foi a pertinaz perseguição a que estive sujeito enquanto topógrafo-chefe dos Serviços Técnicos de Fomento da Junta Distrital de Aveiro.

Por Brasilino Godinho *

Regressado de Ponta Delgado e após o gozo das férias apresentei-me ainda no ano de 1956 na Direcção de Urbanização do Distrito de Leiria. Fixei residência na cidade leiriense. Nela nasceram os meus dois filhos. Durante quase sete anos permaneci exercendo profissionalmente naquele departamento governamental. Com agrado pessoal tido quer com o ambiente de trabalho, quer relativamente à cidade. Uma estadia gratificante que me proporcionou agradáveis recordações. Entre várias, uma profissional de indelével importância nos meus currículos de vida e de profissão.

Passados poucos meses de actividade na Direcção de Urbanização do Distrito de Leiria, um dia, o director, distinto engenheiro civil Egas de Fontes Pereira de Melo Monteiro de Barros, chama-me ao gabinete e pergunta-me: Godinho, sabe topografia? Já trabalhou em projectos de vias rodoviárias? Respondi: topografia sei um pouco; projectos, colaborei nalguns, nos Açores.

A seguir, o Director observa: temos, aqui, um ofício da Câmara Municipal de Ourém a solicitar o projecto de um arruamento. E acrescenta: Amanhã, depois do almoço: vamos a Fátima dar início ao projecto.

No dia seguinte, conforme o previsto, depois do almoço, partimos para Fátima. Chegados ao local, fez-se uma volta de reconhecimento do terreno e no sítio previsto no Plano de Urbanização de Fátima logo, o director, ao meu lado, me diz vamos a isto! De pronto, coloco o teodolito em estação e dou as primeiras indicações aos dois trabalhadores que iriam servir de porta-mira e ajudante. Engenheiro Monteiro de Barros, atento, observa o andamento dos trabalhos e decorrido um quarto de hora, anuncia “vou retirar-me para Aveiro; já percebi que não precisa da minha presença”.

Tal facto marcou o início da minha actividade projectista dos arruamentos de Fátima; cerca de metade da quantidade dos existentes – excluindo as estradas nacionais que atravessam o aglomerado urbano da cidade.

Importa anotar que naquela época competia à Direcção de Urbanização de Leiria, superintender na implementação do Plano de Urbanização de Fátima, de fiscalizar a sua aplicação por parte da Câmara Municipal de Ourém e prestar assistência técnica a esta autarquia e ao Santuário de Fátima.

Uma actividade oficial de Brasilino Godinho que persistiu até 31 de Janeiro de 1963. Data de término do vínculo à Direcção Geral dos Serviços de Urbanização; por motivo de logo a seguir tomar posse do lugar de desenhador de 1.ª classe dos Serviços Técnicos de Fomento da Junta Distrital de Aveiro, precedendo concurso público de admissão e ter obtido o primeiro lugar de classificação das provas documentais e práticas efectudas.

É ainda em Leiria que também começo a elaborar projectos de vias rodoviárias a título particular, trabalhando fora do horário da Função Pública.

Devo, posso, quero e orgulho-me de reiterar afirmação que tenho feito de vez em quando: desde que iniciei exercício de funções oficiais até à data em que tomei a reforma, dezenas de anos decorridos, nunca executei qualquer trabalho particular durante o horário oficial dos organismos a que estava servindo como funcionário público. Nem sequer, uma simples operação aritmética. Foi sempre um ponto de honra, voluntariamente assumido, que respeitei com determinação e sentido de responsabilidade. Acima de tudo me tenho orientado na vida pelo respeito que me devo a mim mesmo e que muitíssimo prezo.

Pois saiba o leitor que – tal minha maneira de ser e de estar em sociedade com cabeça altiva e dignidade – causava bastante incomodidade e ódio a vários engenheiros e arquitectos. Alguns deles, prevalecendo-se dos seus graus universitários sentiam raiva pelos meus desempenhos profissionais e pela frustração de não conseguirem surpreender o Brasilino Godinho em qualquer acção de incumprimento dos seus deveres de funcionário público.

Longa, vária e invulgar seria a narrativa que um dia me propusesse escrever sobre o que foi a pertinaz perseguição a que estive sujeito enquanto topógrafo-chefe dos Serviços Técnicos de Fomento da Junta Distrital de Aveiro.

Havia presidentes de Câmaras Municipais que conhecendo algumas maldades de tais criaturas se admiravam da capacidade de resistência do Brasilino Godinho.

Um ou outro dos meus inimigos muito me prejudicaram e à família. Todavia, sempre considerei que, felizmente tinha alguns inimigos. Até pelo facto de existirem e serem tão activos me estavam sendo úteis. E disso não se aperceberam. Faltou-lhes perspicácia e inteligência.

É que pelas suas malévolas condutas me incitavam a fazer-lhes face e a desenvolver a minha capacidade de resistência e, ainda, mais sedimentar a determinação em prosseguir o trajecto de vida idealizado na adolescência.

Pretendendo destruir-me, estavam inconscientemente a fortalecer-me. Sem o quererem e o pressentirem, prestaram um serviço a Brasilino Godinho. Com alguns danos materiais para ele. Só que se configurou uma moeda com uma face positiva e outra negativa. Estive a altura de a conservar a bom recato e dela fazer recurso operacional da minha multifacetada existência octogenária.

* Doutorado em Estudos Culturais, autor. https://www.facebook.com/brasilino.godinho

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