Quando, em 1991, a Lista, de que eu fazia parte, perdeu as eleições para a “Região de Turismo da Rota da Luz”, fui convidado a continuar como funcionário e, não tendo aceitado, dei por finda a minha comissão de serviço, correspondente ao tempo em que desempenhei o cargo de Vogal da Comissão Executiva dessa entidade, voltando a ocupar o meu lugar no quadro de pessoal do Município.
Por Diamantino Dias *
A primeira tarefa que me foi confiada foi a de dar corpo a uma ideia surgida no seio da “Mesa Permanente Luso-Espanhola – Uma Rota para a Europa”. A Câmara de Aveiro tinha sido incumbida de criar uns jogos desportivos que viessem a ser disputados pelos municípios portugueses e espanhóis que formavam aquela Associação, cuja principal finalidade era a criação de uma via rápida que os unisse à Europa, desejo esse que, em Portugal, se veio a concretizar com o IP5 que viria a dar origem à actual A25.
Propus que se organizassem, anualmente, os “Jogos Desportivos Luso-Espanhóis – Uma Rota para a Europa”, nas modalidades de Andebol, Atletismo (de estrada, masculino e feminino), Basquetebol, Futebol e Natação (masculina e feminina), para jovens de 15 anos, integrando equipas representativas de Aveiro (nos últimos dois anos, com alguns elementos da Figueira da Foz, pelo que se passou a chamar Equipa IP5-Litoral), Viseu, Guarda, Covilhã e Salamanca.
Em 1991, tiveram lugar em Aveiro, em 1992, em Salamanca, em 1993, em Viseu, em 1994, na Covilhã e, em 1995, na Guarda. Sugeri a instituição de um troféu — uma talha da Vista Alegre, com o Barco Moliceiro, a Sé da Guarda e a Plaza Mayor de Salamanca –, para ser conquistado pela equipa que vencesse os Jogos três anos seguidos ou cinco alternados, o qual foi ganho por Aveiro que ganhou todas as edições, se bem que, as duas últimas, integrando a Equipa IP5-Litoral.
Coordenei a participação de todas as representações aveirenses, cujos aspectos desportivos — selecção, treinos, orientação, etc. — foram sempre da responsabilidade das respectivas Associações Distritais, e colaborei com as outras cidades, sempre que tal me foi solicitado. Esta colaboração foi reconhecida, especialmente, pelo Ayuntamiento de Salamanca que me ofereceu um bonito quadro — que continua afixado em minha casa — e que é composto por duas placas metálicas, uma com a Plaza Mayor e outra da qual consta a seguinte dedicatória: “AYUNTAMIENTO DE SALAMANCA – II Juegos Deportivos Lusos-Españoles ‘Un camino para Europa’ – A Diamantino Dias en reconocimiento a su labor organizadora – Salamanca 1992”.
Para publicitar a primeira edição dos Jogos, organizei uma Caravana Automóvel, comandada por uma viatura com painéis alusivos àquela Associação e aos Jogos em si e na qual cada carro ostentava um mastro com a bandeira de um dos municípios da “Mesa Permanente”. Os automóveis saíram da Plaza Mayor salmantina e percorreram as ruas dessa cidade e as de Ciudad Rodrigo, Fuentes de Oñoro, Guarda, Viseu e Aveiro, terminando o percurso na Praça da República desta cidade. Por razões de falta de tempo, não se passou nem na Covilhã, nem em Béjar, nem em Tordesillas, neste último caso, com especial pena da minha parte, pois é uma cidade que me merece um especial carinho, porquanto tive a honra de receber um convite pessoal, que aceitei, para assistir às cerimónias “Comemorativas do V Centenário do Tratado de Tordesillas”.
Com a realização deste evento, aconteceu-me algo de original, caricato e anedótico. Como a caravana partia cedo, os condutores das viaturas, todos residentes em Aveiro, teriam de dormir em Salamanca. Assim, uns dias antes, desloquei-me a essa cidade e reservei quartos no Hotel Condal, porque se situava na Plaza de Santa Eulalia, onde havia um grande estacionamento subterrâneo. No dia seguinte, telefonou-me o Consejal Angel Calvo, para me dizer que o hotel exigia o pagamento de garantias para manter a reserva. Pedi-lhe para reservar os quartos noutro hotel de três estrelas, para evitar que eu tivesse de me deslocar, mais uma vez, a Espanha. Passadas poucas horas, comunicou-me que o tinha conseguido no Hotel Pasaje, situado numa das passagens da Plaza Mayor.
Na noite em que lá dormimos, tendo-me esquecido de comprar um jornal para servir de soporífero, e como não havia TV no quarto, procurei nas gavetas, na esperança de encontrar uma Bíblia – muitos dos meus conhecimentos na matéria foram assim adquiridos – e qual não foi o meu espanto, quando vi que uma das gavetas da mesa-de-cabeceira estava totalmente preenchida, por cima e por baixo e mesmo nos bordos, com mensagens em espanhol, português, francês, inglês e alemão. Consegui arranjar um pequeno espaço, para deixar ficar a minha colaboração, naquela obra plurilingue colectiva, escrevendo a adaptação, que me veio à cabeça, do provérbio francês “faute de merles, on mange des grives”: “à falta de livros, leem-se gavetas”. Deitei-me a ler, de papo para o ar, a leitura cumpriu a sua missão somnífera e eu acordei quando a gaveta me caiu na cara. Depois deste episódio, creio que me posso gabar de ser a única pessoa que já adormeceu a ler uma gaveta.
Para além dos Jogos, participei praticamente em todas as reuniões da “Mesa Permanente”, em todas as cidades portuguesas e espanholas, sendo mesmo a minha última tarefa, antes de me aposentar, em 31 de Outubro de 1996, a organização de um encontro, em Aveiro, desta Associação inter-municipal luso-espanhola, cujas as actividades plurifacetadas tiveram uma enorme influência para que viesse a ser construida, como atrás se disse, uma importantíssima infraestrutura regional que se começou a consubstanciar com o IP5 e evoluiu para a actual A25, a “Rota para a Europa” que os seus precursores tinham tido em mente.
* Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, Técnico Superior Assessor Principal da Câmara de Aveiro – reformado (página do autor em Aveiro e Cultura).