45% dos Estudantes Universitários revelam iliteracia em Saúde e 40% dos acessos às Urgências não são casos urgentes. Assim nunca teremos, de facto, um verdadeiro Serviço Nacional de Saúde: teremos de nele continuar a tratar sobretudo a Doença.
Pompílio Souto *
Acresce que, com a falta de Habitação que temos e com o tipo de espaços e contextos daquela de que dispomos, não só começa por ser aí que adoecemos, mas também muito dificilmente será aí que nos curamos.
É com isto, meu Caros, que temos de acabar – e já – ou tão cedo quanto possível.
A literacia em saúde é a “capacidade para obter, processar e interpretar informação básica em saúde e serviços de saúde, para poder tomar decisões autónomas e inteligentes” relativamente a esse “bem” básico e inestimável.
E é isto que um estudo, de 20 de outubro de 2021 (*1), da Escola Nacional de Saúde Pública – Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NOVA), coordenado pela Investigadora Ana Rita Pedro, conclui não existir entre os estudantes universitários.
Conclui, ainda, “que o contexto socioeconómico” de origem do estudante “é um determinante fundamental da literacia em saúde”, bem como “a região onde ele termina o ensino secundário”, a fase de estudos universitários em que se encontra e se aqueles [estudos] são, ou não, afins da área da Saúde.
Ou seja, são os estudantes com menores rendimentos, com pais menos escolarizados, com o secundário feito na Madeira, nos Açores e no Centro Interior, e em fase de Licenciatura de área não afim da “Saúde”, que constituem o “grupo mais iletrado em saúde” e que assim se mantém por mais tempo na vida. E para tornar a situação ainda mais grave este parece ser um problema recorrente e persistente.
Já em 2018, um trabalho de investigação de Maria M. J. Sobral, realizado na Universidade da Beira Interior (UBI), concluía algo de muito semelhante, designadamente ser o mesmo universo de cidadãos a ter não só dificuldade em cuidar da sua saúde com também a não ser capaz de perceber e assumir, autonomamente, o processo de a recuperar (*2).
É certo que fomos o país da Europa que mais tarde se alfabetizou e mesmo isso de modo muito desigual (eu, por exemplo, em 1950 na Gafanha da Nazaré, a 5km de Aveiro, tive na Escola Primária uma “Regente Escolar”, profissional com a 4ª classe que, com a ajuda dos meus pais, frequentemente corrigia – e muito, sobre questões básicas!), mas a verdade é que também “muitas outras maleitas e algumas malfeitorias” nos têm tolhido o passo.
O ainda pouco tempo de aprendizagem do que é uma vida em democracia, um (persistente) individualismo e um (por vezes conveniente) alheamento das nossas responsabilidade e direitos cívicos, conjugados com os resquícios de uma incutida e policiada dependência do “Estado Providencial Salazarista” (*3) (que até nos dispensava de escolher quem o governava), não serão nisto que agora retrato coisa menor.
Circunstâncias que, por vezes, inaceitavelmente se desconsideram conjuntamente com a relativização do quanto melhorámos a partir do 25 de Abril.
O acesso às Urgências
Desde há muito que cerca de “40% dos acessos às Urgências Hospitalares são de pessoas cujos casos aí são classificados com pulseiras azuis e verdes – que são atribuídas a situações não “urgentes”!
Porquê? Porque é que tendo nós hoje a funcionar meios e serviços que nos podem orientar quanto ao que fazer quando indispostos ou temerosos de desenvolvimentos graves do mal que sentimos – sem mais nem quê – pomos a funcionar meios de socorro e nos aglomeramos nas Urgências Hospitalares, impedindo o pronto e bom atendimento de quem está, de facto, mal ou muito mal?
Há – seguramente – equipamentos, meios e serviços que ainda não existem ou não funcionam bem. Há, também, processos organizativos e rotinas a adotar mas, meus Caros, se nós não ajudarmos com uma postura e escrutínio mais esclarecidos, não será apenas com mais berros e dinheiro sem fim que a coisa se resolverá.
É que, sublinhe-se, já “em 2019 (antes da pandemia) a despesa corrente em saúde aumentou 5,6%, atingindo 20.392,5 milhões de euros, correspondendo a 9,5% do PIB e a € 1.982,5 per capita”. (*4)
Ou seja, o Estado – que somos todos nós – gastava, já em 2019, 2 000 euros por pessoa.
Parte deste problema decorrerá dos nossos baixos níveis de literacia em saúde, mas também de serem ainda recentes a Lei de Base da Saúde (2019) e o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (2021), sendo que a pandemia terá dificultado a implementação do que aí se prevê. Acresce – e é bom que se sublinhe –, que essa nova legislação pressupõe três coisas muitíssimo importantes: (i) “a nossa responsabilidade individual”, “a nossa capacidade de organização cívica” e “a conexão do desempenho das Autarquias com o SNS” – coisa que a pandemia revelou não ser fácil.
Centrando-nos por agora na “conexão” Autarquias & SNS sublinhe-se – como o faz a Prof.ª Isabel do Carmo (*5) – que o Estatuto do SNS fixa “o papel dos Sistemas Locais de Saúde (SLS), no que diz respeito à articulação entre as Autarquias e a Saúde Pública e os Programas de Prevenção da Saúde da DGS”, cabendo-lhes designadamente “monitorizar o estado de saúde das comunidades, os fatores que a influenciam e os recursos e necessidades da população”.
Coisa que já acontece em alguns municípios e cuja generalização é indispensável que reivindiquemos, assumindo nós próprios uma postura mais responsável e proactiva na promoção da saúde própria e das comunidades a que pertencemos.
A Habitação
Sabemos todos – ou devíamos saber – que dispor de “Habitação” é essencial à Saúde, à Educação e Capacitação individual e de grupo, bem como ao Bem-estar e sustentabilidade de tudo isso.
Noutros momentos e modos já abordamos esse direito constitucional – o da Habitação para todos – e algumas das “vantagens” disso decorrentes e acima referidas. O que ainda não fizemos, e parece-me que poucos o fazem, é saber:
– Mas que Habitação é essa?
– E como é que podem os Cidadãos contribuir para que se responda a tal interrogação e satisfaça tal necessidade?
Nota final
Ora a tentativa de uma resposta a esta e às duas outras questões, vai a PLATAFORMAcidades – conjuntamente com os Parceiros, Apoiantes e Cidadãos que se lhe queiram juntar – procurar dá-la aprofundando o conhecimento e generalizando o saber nessas matérias, e suscitando a otimização de desempenhos, processos e articulações de quem dispõe do poder e da responsabilidade para os por no terreno ao serviço de todos.
E vai fazê-lo em duas “Iniciativas” que procurará desenvolver em paralelo:
– Saúde e Bem-estar | “Literacia, Promoção da Saúde, Habitação”
– Habitação e Cidade | “Saúde, Capacitação e Bem-estar”! – Mas que “Habitação”?
Vamos, como é habitual, “desenvolver, com colaboração, trabalho em rede, aproveitamento de associações locais”(*6) e “sem esperar ordens vindas de cima” (*5), responsabilidades e competências necessárias ao combate a estas três chagas que nos diminuem um presente e comprometem um futuro melhores – menos desiguais, mais sustentáveis e mais felizes.
* Arquiteto, coordenador da PLATAFORMAcidades – grupo de reflexão cívica https://plataformacidades.blogspot.com/
(*1) https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/quase-metade-dos-estudantes-universitarios-tem-nivel-inadequado-de-literacia-em-saude-
14234975.html
(*2) https://ubibliorum.ubi.pt/handle/10400.6/9735
(*3) Discutir em: http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Sociedade_Providencia_ou_Autoritarismo_Social_RCCS42.PDF
(*4) INE; jul2021
(*5) “Que articulações elevam o nível de saúde da população? O Estatuto do SNS, a Saúde Pública e as Autarquias” | Isabel do Carmo; Le Monde Diplomatique – nov21
(*6) E não locais, bem como Especialistas e Decisores de referência.
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