A invasão da Ucrânia e a crise de gás natural na Europa

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Mapa de Bernardo Pires de Lima, https://www.mdsgroup.com/pt/global-risk-perspectives/a-geopolitica-da-energia-em-camadas/

A Alemanha e a Europa Central querem reverter rapidamente o erro estratégico da dependência do gás russo, assim como de outras fontes energéticas da Rússia.

Por Vitor Caldeirinha *

O fim do carvão e a recusa do nuclear (pela Alemanha, mas não pela França), a caminho da neutralidade carbónica, levaram à utilização das fontes intermitentes e parciais, solares e eólicas, que implicam temporariamente a dependência do gás natural, pelo menos enquanto não se completa a satisfação de 100% das necessidades dos países com energias renováveis e não se resolve a questão da intermitência e sazonalidade destas fontes, através do recurso a baterias, acumulação de hidrogénio ou a recaptura de água nas barragens.

Agora, todos dizem que o gás natural não tem futuro, por contribuir para o aquecimento global, pois impede a meta da neutralidade carbónica em 2050 (Bill Gates, 2021). Isto apesar de não se esperarem grandes mudanças neste aspeto na India e na Ásia nas próximas décadas. Enquanto não se faz a transição energética, verifica-se a enorme dependência da Europa do gás.

Em caso de corte do gás da Rússia, os portos franceses (1 bcm/mês de capacidade livre), espanhóis (4,5 bcm/mês de capacidade livre) e ingleses (3 bcm/mês de capacidade livre), bem como as ligações ao Magreb, poderiam alimentar boa parte das necessidades de gás natural da Europa central.

A Europa consome cerca de 40 milhares de milhões de metros cúbicos (bcm) de gás natural por mês, variando entre os meses de verão (20 bcm) e de inverno (55 bcm), e importa em média 30 bcm por mês, dos quais 13 bcm da Rússia (40% das importações) e 8 bcm por via marítima/mês (6 a 16 bcm ao longo do ano, dos quais 5 bcm dos EUA) (Fontes diversas).

O fornecimento da Rússia aumentou muito a partir de 2019. A Alemanha importa da Rússia 4,5 bcm por mês, a Itália importa 1,5 bcm por mês e a Holanda 1 bcm.

Em caso de corte do gás da Rússia, os portos franceses (1 bcm/mês de capacidade livre), espanhóis (4,5 bcm/mês de capacidade livre) e ingleses (3 bcm/mês de capacidade livre), bem como as ligações ao Magreb, poderiam alimentar boa parte das necessidades de gás natural da Europa central.

Mas isso implicaria a melhoria dos pipelines de transporte. Mas a França nunca quis melhorar a ligação a Espanha e, mais tarde, aparentemente segundo Mira Amaral (2022, Think Tank), terá sido a Espanha a evitar a ligação, para limitar a concorrência da Rússia. Com a quantidade de gás da Rússia a descer, o preço do gás pode subir muito.

Por outro lado, será necessário reforçar a frota mundial de navios (com calado máximo de 13,7m sem precisar de águas profundas), bem como a capacidade dos portos americanos e do médio oriente.

Os navios acumulam-se em espera nos portos americanos de LNG por falta de capacidade portuária (Marcy de Luna, 2022). O Canadá também não tem capacidade (Financial Post, 2022). Alguns navios com gás americano têm de seguir para a Europa via Suez. E o canal do Panamá tem falta de capacidade para mais navios, tendo visto a procura de navios de LNG aumentar muito.

Vai demorar tempo a resolver esta confusão e reforçar as ligações aos, e nos, portos Europeus e Americanos. Só o Qatar pode suprir rapidamente as necessidades da Europa, mas não existem portos e/ou ligações suficientes aos locais de consumo na UE. Um nó impossível de desapertar já.

A Alemanha e a Itália têm prevista a criação de vários novos terminais de LNG (ver mapa) como alternativa ao gás russo, mas não querendo depender de outros países estrangeiros (França, UK e Espanha), nem de custos de transporte terrestre que encarecem o preço do gás, embora possam sempre ser uma alternativa e um complemento no jogo dos preços e da geoestratégia.

No entanto, a Alemanha está apostada preferencialmente em reforçar o solar e o eólico, bem como em apostar em terminais portuários de hidrogénio verde e eletrobiocombustível hidrogenado (para navios, aviões e carros). A Alemanha vai manter as centrais nucleares, mas considera fechá-las a prazo. Já o gás natural terá de acabar o seu papel como fonte energética na Europa e nos EUA em uma a duas décadas, em todas as vertentes, não sendo aconselhável investir em novas centrais de LNG, uma vez que teriam inevitavelmente o período de retorno para lá de 2040/2050.

* Especialista em gestão portuária. Texto publicado originalmente no site Transportes & Negócios.

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