Teófilo Santiago, 68 anos, assessor de investigação criminal, agendou para 20 de junho, pelas 18:30, na Fnac de Aveiro, a apresentação local do seu livro “Insubmisso – Memórias de um polícia”, escrito com o jornalista Eduardo Dâmaso, numa sessão que contará com a presença de Mário Mendes, juiz conselheiro e antigo diretor nacional da Polícia Judiciária, que reside em Aveiro (c/vídeo).
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Primeiro diretor da Inspeção da Polícia Judiciária (PJ) de Aveiro, que instalou em 1986 e onde viria a terminar em 2014 uma carreira de mais de três décadas, exerceu, pelo meio, cargos de direção relevantes, no país e estrangeiro, a liderar nas mais diversas áreas de atuação, tendo sido agraciado com o crachá de ouro, o mais alto reconhecimento da instituição. A entrevista que se segue foi feita a pretexto do livro, deixando, ainda assim, guardadas para os leitores as memórias relatadas dos meandros de muitos processos, alguns dos quais marcaram a investigação criminal em Portugal.
Informação sobre o livro “Insubmisso – memórias de um polícia” e biografia do autor
Entende este livro como de memórias, mas com um enquadramento que sublinha na introdução.
Memórias são, é mais até um de revisitar do meu passado profissional. O objetivo é dar uma forma de reconhecimento a todos os profissionais da Polícia Judiciária que trabalharam comigo ao longo destes anos todos, fizeram parte desta viagem, e que guardo da generalidade deles a maior das recordações, não apenas do ponto de vista afetivo, que isso é relativamente fácil, mas também dos méritos profissionais que eles têm. É toda uma vida entregue à investigação criminal e não apenas os processos referidos na capa que tiveram, por assim dizer, impacto nacional [Face Oculta, Apito Dourado, Aveiro Connection].
São tempos diferentes que surgem neste livro, podemos acompanhar o evoluir da investigação policial neste seu percurso?
Bem, todos nós quando deixamos de praticar qualquer coisa ou deixamos qualquer ramo de atividade dizemos sempre que ‘o nosso tempo é que era’. Evidentemente os tempos mudam, as pessoas são diferentes, o mundo está diferente, e, também, a forma de encarar as atividades. Mas, no fundo, a investigação criminal é, hoje, tal como quando eu comecei, há quase 40 anos, uma realidade com alterações, mais por consequência dos meios técnicos, mas não no essencial, porque o essencial – eu digo isso muitas vezes e há quem não entenda – , são as pessoas. A ciência, a técnica, são auxiliares importantíssimos, mas se não forem convenientemente utilizados como instrumentos, como ferramentas por parte das pessoas pouco valerão. Portanto, na investigação criminal os princípios fundamentais são os mesmos. O que é necessário é inovar, digo isso há muitos anos, tem que evoluir para ser uma atividade proativa.
Hoje em dia fala-se muito das polícias pelas suas reivindicações de classe, isso condiciona e torna mais difícil motivar os profissionais ?
Essa é, talvez, a grande diferença de outros tempos para agora. Noutros tempos, enfim, eu não sei se era falta de capacidade reivindicativa, se era uma forma diferente de estar na atividade, mas nós, quando nos embrenhávamos, aquilo que eu chamo as minhas equipas, porque eu tenho muito orgulho naquilo que eu chamo as minhas equipas, nós não pensávamos nisso. Havia toda uma forma de ser e de estar que relegava isso para segundo plano. Não quer dizer que eu não compreendo e aceito as reivindicações justas que porventura haja. O problema é quando isso passa a ser a essência e não o acessório. É evidente que a polícia deve reivindicar aquilo que entende, de forma razoável, mas não deve ser a única preocupação. Enfim, é difícil para mim falar sobre isto, porque eu tive a sorte de fazer durante a minha vida profissional aquilo que gostava. Tive a sorte de ser acompanhado, nas várias etapas, por pessoas que me acompanhavam nessa forma de estar. Não gosto de falar de amor à camisola, nem coisa que me valha, porque são chavões. Agora é preciso ter boas condições materiais, boas condições salariais, porque, para além da especificidade da função, é bom que os investigadores criminais, as forças policiais, estejam tranquilos no seu dia-a-dia, de maneira a que não transportem para o serviço algumas dificuldades resultantes de carências também de natureza económica. Portanto, eu apoio tudo aquilo que for a reivindicação séria.
A Inspeção de Aveiro também foi, de alguma forma, precursora. Nos crimes económicos, sobretudo, de alguma forma surgiram novamente ao longo do seu percurso. A corrupção, o tráfico de influências. Fez aqui também a sua escola, por exemplo com a operação que visou a rede de contrabando de tabaco com componentes civil e militar ‘Águas Turvas’, depois rebatizada ‘Aveiro Connection’, e todos os seus ‘filhos’, o perdão fiscal da Cerâmica Campos, os subsídios das pescas, etc.
Naturalmente. Aliás, toda a gente sabe que Aveiro para mim tem um significado muito particular. A Inspecção de Aveiro, agora chamado Departamento de Investimento Criminal (DIC), foi decisiva na minha carreira. Tive também o privilégio e a sorte de ter pessoas na direção que me propiciaram algo que é pouco comum. Primeiro, um departamento que nasceu de raiz. Fisicamente, e na altura, não sei o que como está agora, tinha ótimas condições, comparativamente com outro lados. Vieram alguns investigadores, que trabalhavam comigo no crime violento, e que deram-me um certo conforto. E, por outro lado, permitiram-me escolher o perfil de investigadores que eu gostaria de ter. Eu antes de vir para Aveiro quis perceber as singularidades de Aveiro, os seus métodos, as suas dificuldades, e, portanto, em função dessa avaliação que fiz, entendi definir determinado perfil. E isso funcionou. E, depois, os resultados que foram aparecendo foram altamente motivadores. Não para mim, que, volto a dizer, fazia aquilo que gostava e não precisava daquelas coisas. Mas aquela gente, na altura muito nova, ainda cheia de sonhos e idealismos, aderiu por inteiro e as coisas fizeram-se. A grande diferença é que nós não assobiávamos para o lado quando as coisas apareciam. Não é um sacerdócio nem uma cruzada, mas se as coisas acontecessem, nós enfrentávamos. Aveiro era uma cidade crescente, com uma pujança enorme, e eu sabia perfeitamente que isso acarretaria novas formas de criminalidade, com outro tipo de agentes envolvidos e era preciso estarmos preparados, sem fugir aos desafios. Assim aconteceu e correu muito bem.
Discurso de Teófilo Santiago na inauguração da Inspeção da PJ de Aveiro
Discurso direto
“A criminalidade está a desenvolver-se e a tornar-se cada vez mais sofisticada, mais difícil de investigar”.
“Há quem entenda isto mal, só pessoas motivadas e com autoestima elevada é que se abalançam a fazer isto”.
“Só consigo fazer as coisas com gozo. E a partir do momento em que perdi aquilo que eu chamo de ‘brilhozinho nos olhos’, eu não me sentia à vontade para exigir às pessoas que trabalharam comigo o mesmo”.
“Não me considero vítima. Falo nessas questões porque são importantes, até para alertar. É que essas situações laterais, como eu lhes chamo, exteriores ao objeto de investigação, às vezes são muito mais difíceis de ultrapassar do que a investigação”.
“Eu nunca prometi aos familiares das vítimas que íamos resolver a situação. Iríamos tentar, é uma coisa terrível os homicídios, os sequestros. Também os desaparecimentos, sobretudo quando se trata de menores”.
“Relativamente aos crimes hediondos, se pode se chamar assim, como abusos sexuais de crianças e violência doméstica, há que ter muito cuidado na forma como se abordam e como se fala deles, porque há uma faixa razoável de falsos alarmes”.
“Eu gosto muito de futebol, mas cada vez vejo menos os jogos. Complicaram aquilo que era mais fácil.”
“Dizem que investiguei tanto crime económico… sinto-me é mais à vontade no crime violento por uma razão muito simples, é que quando o processo acaba acaba. No crime económico, independentemente do resultado, o desprazer a seguir é muito maior.”
“Da morte do inspector João Melo eu não consigo ainda hoje falar sem me emocionar, porque, enfim, é o episódio mais triste.”
“Modéstia à parte, eu estou satisfeito. Não trocaria nada do que fiz por outra carreira.”
“Crime perfeito não há. Há investigações imperfeitas”.
“Nem sequer me passou pela cabeça o livro, quanto mais um filme”
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