Em apenas 97 palavras, numa única resposta ao Jornal de Negócios, Ribau Esteves mostra-nos a ideologia que preside às políticas de habitação em Aveiro.
Nelson Peralta *
A entrevista tem dias, mas a sua leitura é um exercício de arqueologia ao governo da austeridade PSD/CDS derrotado no país.
Questionado se é necessária a mão do poder público para resolver os problemas da habitação, o Presidente da Câmara é peremptório: “não”, acrescentando “sou um liberal e o mercado está a resolver o problema”.
Há que saudar a clareza da resposta ao assumir a sua posição nesta matéria como primordialmente ideológica. Mas vejamos bem, o mercado está a resolver? Desde 2013, com a lei das rendas do governo PSD/CDS, foram concretizados 9 mil despejos no país e as rendas aumentaram drasticamente. Uma realidade sentida também em Aveiro. Afinal, a mão invisível do mercado está a resolver o quê e acima de tudo para quem?
O autarca critica ainda o “descontinho na propina” e critica não se ter investido esse dinheiro em residências universitárias. Antes de mais, a direita tem-se desdobrado em atacar esta medida sem nunca ter a coragem de o fazer isoladamente.
Fá-lo sempre em comparação com algo mais, no caso com esta sua novíssima paixão. Isso mostra bem a força da medida. Mas mostra igualmente a falta de projeto político da direita que sempre subiu o valor das propinas ao mesmo tempo que reduziu a ação social e que, pasme-se, retirou a possibilidade de inscrever a construção de residências universitárias nos fundos comunitários.
Acresce que Portugal é o estado-membro em que o Estado menos financia o ensino superior (54% contra uma média de 78,1%). A propina baixou 20% sem que o financiamento à universidade e à ação social fosse reduzido. Impensável para a direita, sem dúvida. Mas precisamos de mais investimento público e de mais residências, é certo. Não podemos é de caminho ilibar a política defendida por Ribau Esteves que levou ao aumento drástico do preço dos quartos para estudantes em Aveiro, assim como das habitações para as famílias.
Por último, o edil elogia: o “alojamento local em Aveiro tem crescido exponencialmente. Não está bem? Está bem!”. Consegue dize-lo ao mesmo tempo que admite que em Aveiro há falta de habitações para venda e que a disponibilidade para arrendamento é baixa.
Atualmente, em Aveiro está registada a capacidade 2.497 dormidas em alojamento local (AL). Na freguesia de Glória e Vera Cruz há 12 camas em AL por 100 habitantes e, se pudéssemos isolar os bairros mais centrais e típicos, essa taxa seria bastante superior.
Apesar da nova legislação prever que as autarquias possam estipular quotas, é de ver que a de Aveiro não estará interessada em qualquer regulamentação da atividade que continuará – sem limites – a substituir residentes por camas para turismo e, por essa via, a contribuir para o aumento do preço da habitação.
No que toca à habitação, Ribau Esteves confessa-nos a sua ideologia. Já a realidade mostra-nos como ela é tão gravosa para a população. Se a derrotamos no país é porque a podemos também derrotar em Aveiro.
* Bloco de Esquerda.