Portugal é um país hospitaleiro: a simpatia do sorriso, o gesto amigável e a disponibilidade para ajudar mostram que gostamos de receber e que recebemos bem.
Por Alexandra Lavaredas *
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Portugal atrai, cada vez mais, um número crescente de estrangeiros que procuram o país como destino de férias ou que o elegem como local de trabalho e residência. O crescimento turístico registado nos últimos anos tem vindo a moldar a paisagem arquitetónica, cultural e social da sociedade portuguesa. Contando com um património centenário e de grande valor para a humanidade, reconhecido pela UNESCO, Portugal reflete também a história de um povo que cedo decidiu ter identidade própria.
A sede de expansão das suas fronteiras e a curiosidade pelo que era novo, trouxe, nos primórdios do século XII, a necessidade de atrair a simpatia dos mais fortes (como sucedeu com a Santa Sé), e criar laços diplomáticos, comerciais ou económicos com povos de diferentes cantos do mundo.
Decorrente das trocas que se estabeleceram ao longo dos séculos, Portugal deixou um legado cultural importante em países espalhados por quatro continentes. As relações interculturais que se impuseram moldaram a identidade portuguesa, que se foi adaptando às influências recebidas. O resultado foi a herança de um património genético muito miscigenado. O constante contacto com outros povos desenvolveu nos portugueses a capacidade de receber e acolher o ‘outro’ e imprimiu na cultura portuguesa uma abertura e capacidade de integração do que é diferente.
Atualmente fala-se em hospitalidade, um conceito antigo ligado ao ato de receber ou dar abrigo e que implica sempre uma relação de reciprocidade entre aquele recebe e o que dá.
Portugal é um país hospitaleiro: a simpatia do sorriso, o gesto amigável e a disponibilidade para ajudar mostram que gostamos de receber e que recebemos bem. Se a capacidade de acolher está relacionada com a herança do povo português, fruto da sua história, será a hospitalidade inerente à identidade nacional? Em que medida estará a hospitalidade a transformar a forma de ser e de estar dos portugueses?
O assunto assume uma maior relevância num contexto em que se verifica um crescimento inigualável da atividade turística. O dinamismo do setor das Viagens e Turismo é benéfico sob várias perspetivas, uma vez que estimula setores paralelos, como, por exemplo, o urbanismo, no qual se assiste a uma verdadeira renovação e reabilitação do país. No entanto, para que o projeto turístico possa ser sustentável, é importante perceber se estamos perante a massificação e descaracterização do destino, ou se enfrentamos mais uma fase da miscigenação, característica que acompanha o povo português desde os primórdios da sua existência.
Portugal recebe os nativos das várias nacionalidades de braços abertos, oferecendo o que tem de melhor e esforçando-se por se adaptar ao seu novo ambiente cosmopolita. Onde outrora nos deparávamos com uma população envelhecida a habitar prédios degradados e quarteirões quase esquecidos, hoje assistimos à revitalização urbana de bairros onde se falam diferentes línguas. O antigo comércio local deixa, a pouco e pouco, de existir para se transformar em espaços com glamour internacional que servem as necessidades daqueles que nos visitam e reproduz uma imagem idêntica por toda a Europa.
No contexto atual, o local funde-se no global e vice-versa. No entanto, uma vez que o turista quando viaja, ainda que tenha um interesse profundo em conhecer a cultura do país que o recebe, precisa encontrar semelhanças com a realidade que conhece para se sentir seguro, a oferta turística existente é semelhante em vários pontos do globo ao nível de serviços básicos, tais como, transporte, alojamento e restauração. O procedimento das companhias de aviação, os hotéis e a cozinha internacional oferecem, da América à Oceânia, serviços muito idênticos. Esta tendência para a uniformização de práticas e costumes pode conduzir à perda da identidade dos destinos.
Portugal tem como concorrentes diretos os países da bacia do mediterrâneo, cuja oferta se assemelha. A descaracterização do local conduz, inevitavelmente, a uma rutura e à consequente quebra na procura e nas receitas. O destino que conseguir preservar as características que o diferenciam dos demais sairá beneficiado. Não só porque preserva a sua identidade, mas também porque mantém a vantagem competitiva face aos demais concorrentes.
Estará Portugal a deixar-se “colonizar”, perdendo as características que o tornam único ou renasce, fruto das trocas culturais que aqui se estabelecem?
Admitindo que Portugal é um país hospitaleiro para os que aqui chegam, importa, também, refletir se ele o é também para os residentes, para aqueles que aqui vivem todo o ano e que lhe dão memória.
Partindo da premissa de que as identidades se constroem e transformam de forma significativa ao longo do tempo, parece-nos relevante tomar consciência das mudanças que, fruto do acolhimento feito a muitos estrangeiros, ocorrem na identidade portuguesa nacontemporaneidade. Para saber para onde vamos como comunidade política e povo, é prudente conhecer de onde vimos, quem somos e no que nos estamos a tornar.
* Professora do Departamento de Turismo do ISCE – Instituto Superior de Lisboa e Vale do Tejo. Artigo publicado originalmente no site Publituris.
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