A habitação é como a paz, a saúde e a educação

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Bairro de Santiago, Aveiro.

É necessário dar uma resposta musculada à crise com um programa social para a habitação.

João Moniz *

Hoje em dia, o problema da habitação é incontornável. São muito poucos aqueles que não sentiram na pele o aumento dos custos da habitação, quer por dilema pessoal, quer por contacto familiar ou de amigos. Aliás, mesmo aqueles que estão insulados do problema por privilégio de condição económica, certamente foram expostos à crise através dos órgãos de comunicação social. É absolutamente consensual que atravessamos uma crise no setor, mesmo em centros urbanos de média dimensão, como Aveiro.

Ora, já em 1872, na sua obra “O Problema da Habitação”, Friedrich Engels argumentava que a questão da habitação tinha que ser lida sob a lente das relações de produção de cada sociedade e que a mesma assumia centralidade no conflito entre classes sociais. Nesta perspetiva, a habitação deve ser concebida como um direito social, tal como a paz, a saúde e a educação. A habitação cumpre uma função social – as casas são para ser habitadas.

O caráter da atual crise da habitação reside na sua presente condição de mercadoria, em detrimento da sua função social. A habitação não pode continuar ao sabor das marés do mercado e da especulação. Enquanto esse paradigma não se alterar, é impossível confrontar o problema.

Em Aveiro, o rumo percorrido pelos 12 anos de maioria PSD/CDS foi no sentido inverso, constituindo um verdadeiro ataque ao direito à habitação.

Em primeiro lugar, Aveiro foi o primeiro município do país a aplicar o (des)regulamento da Troika para a habitação social, resultando em rendas mais altas para este tipo de habitação, em mais despejos e na transformação dos bairros sociais em alojamento rotativo. Na altura, o Bloco foi o único partido a opor-se a esta medida. Felizmente, a força da esquerda conseguiu reverter esta política no parlamento, obrigando o município de Aveiro a arrepiar caminho. No entanto, o plano da maioria PSD/CDS em Aveiro é de continuar a ofensiva, com uma geral falta de políticas públicas para o setor.

Para além das considerações gerais já traçadas, um município como Aveiro, que alberga uma das principais universidades do país, tem também uma responsabilidade política em zelar pelas condições dos estudantes deslocados. Obviamente que não podemos isentar as instituições de ensino superior e o estado central das suas responsabilidades nesta matéria, mas uma política social de habitação ambiciosa, de nível municipal, traria melhorias concretas na vida dos e das estudantes em Aveiro.

Em contrapartida, e partindo do princípio que a habitação tem que cumprir uma função social, é necessário dar uma resposta musculada à crise com um programa social para a habitação.

Ao nível municipal, é preciso executar um projeto ambicioso de requalificação dos fogos sociais e avançar com a construção de mais parque habitacional; é preciso criar um plano de investimento público para a habitação, tal como criar linhas de financiamento para proprietários de casas degradadas que as queiram colocar no mercado de renda controlada.

Pela via da fiscalidade, urge a penalização sobre os proprietários e senhorios que optam por manter as habitações desabitadas e/ou devolutas, através da majoração da taxa de IMI, ao mesmo tempo que se reduz a taxa para casas destinadas a habitação permanente.

Apesar dos argumentos de Friedrich Engels estarem perto de fazer 150 anos, não perderam um pingo da sua relevância. O problema da habitação reside na sua condição de mercadoria e são estes pequenos, mas importantes passos, que abrem o caminho para a concretização do direito universal à habitação.

* Bolseiro de Doutoramento, membro do Bloco de Esquerda de Aveiro.