A construção da Nova Linha de Alta Velocidade Porto-Lisboa (2026 – 2030)) prevista no novo Programa Nacional de Investimentos, permitirá libertar a Linha do Norte do seu congestionamento, que ocorre com maior gravidade na aproximação à cidade do Porto e começa em Ovar.
Por Martim Costa *
Para tal contribui a coexistência de tráfego a velocidades distintas, pois a circulação de comboios de longo curso e mercadorias impedem o aumento da oferta de suburbanos, havendo a necessidade de segrega-los em duas linhas distintas.
Em resultado disso, o transporte de passageiros que tem um tempo de percurso, entre Campanhã e Aveiro, de cerca 48 minutos, com a criação da nova linha irá levar cerca de 21 minutos – ou seja, menos de metade do tempo.
Este encurtar do tempo que leva alguém ir do Ponto A ao Ponto B, é particularmente relevante porque estamos a encurtar distâncias. Antes as cidades eram medidas em metros, no entanto, hoje, com a acrescente aceleração da paisagem imposta pelo homem, cada vez mais as cidades medem-se em minutos. Já não dizemos que da nossa casa ao mercado são X metros, mas sim X minutos. Este fenómeno tem impactos no território, porque a geografia também se altera.
Por isso é tão necessário refletir e antecipar o necessário para que se possam definir as políticas adequadas à otimização dos fenómenos que se possam gerar no território e na vida que neles se faz. E um dos temas que há necessariamente que refletir diz respeito ao impacto no acesso à Habitação.
A Nova Geração de Políticas de Habitação (2018) tem uma missão muito clara: Que “a reabilitação do edificado e a reabilitação urbana” se torne na forma de intervenção predominante, tanto ao nível dos edifícios como das áreas urbanas.
Sendo que, para além disso, a reabilitação ou revitalização urbana não podem desconsiderar a mobilidade que a respetiva concretização sempre implica, ao que acresce a indispensabilidade de incentivar o crescimento do mercado de arrendamento – que é escasso – e que deve constituir, por um lado um “investimento seguro para os inquilinos” e, simultaneamente “garantir o Direito (Constitucional) à Habitação”
Finalmente – e tomando o exemplo da recente revisão do Plano Diretor Municipal do Porto (2021), – quais são as dificuldades e desafios que reconhece?
São o problema de acesso à Habitação não é só o da população mais vulnerável, mas também a classe média (i); o de garantir a recuperação demográfica da cidade (ii); o de promover o aumento do parque habitacional público, apoiando as famílias mais carenciadas (iii) e, ainda, o da criação do mercado de arrendamento acessível – sobretudo para dar resposta a jovens e à classe média -, que não possuem na cidade do Porto condições de acesso às tipologias hoje conforme com a vida das famílias e dos cidadãos – designadamente jovens trabalhadores qualificados, professores e quadros qualificados.
Tais desafios devem-se principalmente:
– À pressão de um turismo crescente que, apesar de ter sido um dos motores da recuperação económica da crise financeira de 2008, deu origem ao excessivo fracionamento das habitações e das respetivas áreas úteis e habitáveis;
– À política do Banco Central Europeu de injeção de liquidez no mercado em simultâneo com uma política de baixas taxas de juro, o que resultou no investimento em imobiliário de luxo, do que resultou uma diminuição muito considerável da oferta de habitação para arrendamento. (a pari e passu com a política nacional dos chamados “vistos gold”, o que fez do Porto um dos “abrigos” do investimento francês que fugiu ao agravamento das políticas fiscais de François Hollande).
Enfim, pelo conjunto de todas estas as decisões e circunstâncias, muitas foram as famílias de poucos recursos que, pouco a pouco, se viram “empurradas” para fora da cidade e concelho do Porto, e que tiveram que procurar alternativas de habitação nos municípios envolventes. A dificuldade de acesso a uma habitação digna a preço não proibitivo, foi afastando posteriormente também as famílias de classe média, num e noutro caso, longe do lugar onde trabalham.
É justamente neste ponto desta reflexão, que a quadruplicação da Linha do Norte e a criação da nova Linha de Alta Velocidade Porto-Lisboa, com paragem em Aveiro, entra na equação do problema da habitação que acabamos de referir.
É que, olhando para o Porto, a gentrificação foi aumentando – imaginemos que em pequenas rodelas – que se vão envolvendo, uma a uma, à volta da cidade do Porto.
De Gaia rapidamente se “cresceu” para Espinho que – sublinhe-se – integrando a Área Metropolitana do Porto (dispondo do “Andante” para viajar), mas integrando o Distrito de Aveiro – “esgotou”!
Pelo que, já hoje – ainda pouco mais do que a notícia da melhoria da Ferrovia, de facto aconteceu, e o Município de Espinho encabeça, no Distrito de Aveiro, duas “condições” muito negativas no acesso à Habitação: é onde o preço/m2 é o mais elevado – seja na construção, seja no arrendamento.
De gentrificação (também) resultante de intervenções na Ferrovia que vão encurtar distâncias, passaremos para a periferização (maioritariamente) enquanto parte do grande Porto.
Entramos, agora, no Município de Ovar. Esmoriz é uma cidade com apenas 9Km2 e já está a sentir efeitos da incapacidade de Espinho responder às necessidades de Habitação, dos seus e daqueles outros que a procuram (maioritariamente) vindo do Porto e Gaia.
Os limites das cidades não podem crescer indefinidamente – a ideia de que o crescimento urbano é sinónimo de desenvolvimento económico, mostrou-se uma fábula. De uma política expansionista, altamente consumidora da coisa pública, passamos para uma política de contenção urbana, aplicando os gastos pelo Estado numa infraestruturação mais eficiente e eficaz. O Município de Ovar tem, neste contexto, uma oportunidade única de captar uma classe média (alta?) fortemente qualificada.
A Câmara Municipal de Ovar tem a sua Estratégia Local de Habitação aprovada – num cenário em que cerca de metade dos municípios portugueses ainda não a possuem -, e a candidatura ao programa 1.º Direito já protocolada com o Instituto da Habitação e da reabilitação Urbana.
O primeiro documento identifica quantitativa e qualitativamente no território as carências habitacionais. O segundo apresenta um programa de intervenção para dar resposta habitacional às famílias que se encontram a morar em condições indignas (aumentando o parque habitacional público, mobilizando o património devoluto do Estado, financiando intervenções pontuais de privados nas suas habitações quando identificadas na [dita] Estratégia Local de Habitação.
No entanto, parece que tal não será suficiente para responder às novas necessidades que o novo tipo de mobilidade ferroviária suscitará, designadamente para os “extratos” que tais programas visam.
Disso resultarão dois prejuízos: a não resolução de um problema previsível e o não aproveitamento da oportunidade que a nova mobilidade que ferrovia põe à nossa disposição.
É por isso urgente e necessário, antecipar, e procurar criar um mercado de arrendamento acessível, que dê urgentemente soluções aos jovens e à classe média.
* Arquiteto, membro PLATAFORMAcidades – grupo de reflexão cívica. Blogue Plataforma Cidades https://plataformacidades.blogspot.com/.
“A Ferrovia e Ovar” retoma a “Posição Comum” que a PLATAFORMAcidades, com Outros da Cidade-região de Aveiro, subscreveram sobre o Plano Ferroviário Nacional. Agora, em parceria com as Presidência da Assembleia e Câmara Municipal de Ovar, organizamos um Encontro de Cidadãos para identificar os enormes desafios que – esse muito bem-vindo investimento e infraestrutura – trarão à vida em Ovar e na Sub-região que integra com a Feira, S. João e Azeméis. Espera-se que identificado o que é estratégico para a melhoria sustentada da nossa vida coletiva, os Cidadãos e as Entidades articulem e executem as respostas necessárias (Pompílio Souto).
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