Portugal tem dos custos de produção mais elevados da União Europeia (UE), mas também dos preços mais baixos à produção, chegando um litro de leite a ser vendido ao consumidor a um preço mais barato do que um litro de água.
Por José Miguel Pacheco *
No passado dia 21 de Janeiro, o Ministério da Agricultura disponibilizou o relatório da Subcomissão Específica criada no âmbito da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar (PARCA) para análise do sector do leite e produtos lácteos, a qual a CNA integrou.
Tratou-se de um trabalho intenso de resposta a muitos questionários e de debates ao longo das cinco reuniões que a Subcomissão realizou.
Posto isto, importa analisar o conteúdo do relatório e se, no geral, a CNA está de acordo com diagnóstico /constatações constantes no mesmo. Já no que respeita às propostas de medidas de actuação, a CNA considera que são pouco ambiciosas face à gravidade da situação que se vive actualmente no sector.
Recordar que Portugal tem dos custos de produção mais elevados da União Europeia (UE), mas também dos preços mais baixos à produção, chegando um litro de leite a ser vendido ao consumidor a um preço mais barato do que um litro de água.
Há, na verdade, um problema grave em Portugal de falta de valorização do produto leite, o que tem provocado a falência de muitas explorações leiteiras e, na opinião da CNA, a principal razão está no domínio do comércio a retalho por parte de um conjunto restrito de grandes grupos económicos e pela utilização do leite e seus derivados como chamariz do consumidor, na guerra feroz que fazem entre si pelo domínio do mercado a retalho.
Tal situação de utilização abusiva de produtos alimentares essenciais na guerra comercial por parte de grandes grupos económicos de comércio a retalho não é um problema específico de Portugal e existe noutros países. A diferença é que noutros países, como por exemplo em Espanha e em França, tem havido actuação por parte dos Governos ao nível da regulação pública do funcionamento da cadeia agro-alimentar, por exemplo, alargando de forma efectiva a proibição de vendas com prejuízo a todos os elos da cadeia.
E foi isso mesmo que a CNA reclamou ao longo do período de funcionamento da Subcomissão e é isso especificamente que falta no relatório entretanto produzido, apesar de no comunicado do Ministério se ler “À semelhança do que acontece noutros Estados Membros da UE, nomeadamente Espanha, será considerada a adopção de ajustamentos ao quadro legal, visando garantir a protecção adequada dos elos mais vulneráveis da cadeia.”
Por fim, referir duas percepções erradas que, na opinião da CNA, se podem retirar da leitura do relatório. A primeira é que todos os elos da cadeia são culpados pela situação, de igual forma, e apenas escapa ileso o poder político, ao qual não se lhe aponta uma falha.
Ora esta ideia, para além de errada, é altamente injusta com a produção, uma vez que se há sector que seguiu aquilo que foi a orientação política vigente, foi o sector do leite, intensificando, modernizando-se, concentrando a produção e concentrando a oferta.
A segunda percepção errada é que a solução para o problema passa agora por uma nova reestruturação do sector, apostando-se na diversificação de produtos e em produtos de valor acrescentado. Apesar da CNA estar de acordo com esta orientação, não acreditamos que ela seja a solução para a falta de valorização do produto leite em Portugal, uma vez que os produtos diferenciados e com valor acrescentado já hoje produzidos em Portugal, como seja o leite de pastagem, sofrem exactamente do mesmo problema de falta de valorização.
A grande questão é que o Governo, perante a gravidade da situação, não se pode desresponsabilizar e ficar por apelos a uma maior responsabilidade social por parte dos grandes grupos económicos da distribuição e do comércio a retalho, pois tal não está na sua natureza.
* Representante da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) na Subcomissão Específica para análise do sector do leite e produtos lácteos / PARCA.
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