A falta de médicos de família

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Vigília de médicos, Aveiro.

A saída continuada dos médicos do SNS por reforma, às centenas pela lei natural das vidas, poderá atingir em 2022 quase um milhar, entre hospitalares e Medicina Geral de Familiar. A estes somar-se-ão as rescisões.

Por Rui Cernadas *

O discurso da Ministra que anunciou a sua saída do Governo promete sempre mais clínicos a ingressar no SNS do que a deixá-lo.

O concurso aberto a 17 de Junho pela A.C.S.S. com um total de 432 vagas para médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF), das quais 211 em Lisboa e Vale do Tejo, foi mais um fiasco. Só concorreram cerca de 380 candidatos.

O resultado final foi claro, 87% das vagas receberam interesse mas só 60% terão sido ocupadas.

Em Lisboa e Vale do Tejo, uma das zonas definidas como das mais carenciadas na MGF, metade das vagas ficaram desertas!

Recordei-me do início da minha carreira e do Serviço Médico à Periferia.

Por essa altura a falta de estradas e das tele-comunicações de hoje acentuavam a distância física e, para mim por exemplo, a chegada a Bragança ou a Alfândega da Fé, partindo do Porto, demorava 6, 7 ou 8 horas consoante os camiões que subiam o Marão ou a neve que obrigava a percursos alternativos.

Agora e cito como prova o Despacho n.º 5775-B/2022 dos Ministérios das Finanças e da Saúde, foram definidas “as zonas geográficas qualificadas como carenciadas para efeitos da atribuição dos incentivos aos procedimentos de mobilidade e de recrutamento de pessoal médico iniciados a partir de 1 de janeiro de 2022, por estabelecimento de saúde e especialidade médica”.

As carências de recursos no SNS estão mais disseminadas do que o SARS-CoV-2!

A área administrada pela ARS de Lisboa e Vale do Tejo parece situar-se a 500 Kms da Capital do País!

Parece que a proximidade ao Ministério da Saúde assusta ou tira a tranquilidade e o sono aos profissionais de saúde. E claramente não é saudável…

E no entanto, é provável que o inverso não se verifique com os responsáveis maiores pelo Ministério da Saúde ou pela Administração Central do Sistema de Saúde. Nada muda nas suas intervenções e funcionamento.

Sobretudo porque o país e os cidadãos ouviram anunciar como solução potencial para a falta de médicos de família que, a colocação de médicos sem especialidade, resolverá o problema.

Já tínhamos ouvido um anterior ministro de António Costa, dito do Ensino Superior, a dizer o mesmo sem se aperceber dos disparates que disparava.

Mas na verdade e como o Primeiro-Ministro afirmou sonante, a respeito da despedida de Marta Temido, nada há a esperar de diferente na Saúde porque o programa é o mesmo. A coerência continua, a eficiência não!

Na verdade, não é médico de Medicina Geral e Familiar quem quer ou compra um bilhete para o espectáculo da Casa da Música…

E escolhi a Casa da Música porque gosto de música e porque fica na minha cidade que não é área carenciada!

A MGF é uma especialidade que se tornou fundamental para afirmação do SNS e a mudança do paradigma do sistema anterior ao 25 de Abril e que, António Arnaut ajudou a consolidar.

É uma especialidade de corpo inteiro e para o corpo inteiro, solicitada em toda a panóplia de áreas do conhecimento médico para a atenção a “todos” os diagnósticos precoces, a “todos” os necessários rastreios, a “todas” as referenciações em tempo útil, a “todos” os atendimentos que lhe caiam na frente, obrigados a usar “todos” os sistemas informáticos que os entendidos criam e se esquecem de integrar, forçados a “todas” as papeladas burocráticas que vão fazendo cair nos Cuidados Primários e ridicularizados em “todas” as “irritantes” e inúteis contratualizações que gastam tempo e papel e retiram capacidade para actividades assistenciais!

Como escreveu Joaquim Pessoa, “não podemos esperar nada de quem nada quer da vida. Mais escuro do que o preto é impossível. Isso é bastante claro”!

* Assistente Graduado MGF. Artigo originalmente publicado no site Healthnews.pt

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