Em junho de 2022, escrevi que o fim das administrações regionais de saúde (ARS) significaria, a prazo, o colapso do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Desde logo, porque o nível regional é crítico ao acesso aos serviços de saúde.
Por Lúcio Meneses de Almeida *
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A universalização do modelo organizacional das unidades locais de saúde (ULS), em janeiro de 2024, veio agravar a situação. Aparentemente, tal correspondeu à estratégia de mitigação do vazio organizacional das ARS, perante a miríade de entidades do SNS com que se iria confrontar a Direção Executiva do SNS – “gigante” sem braços nem pernas, pelo que incapaz de “alcançar” a rede de serviços de saúde…
A criação de unidades locais de saúde (ULS) em “hospitais de fim de linha” foi o clímax de um desastre sistémico, decorrente de uma política baseada no improviso. A mesma razão que determinou a não inclusão dos institutos portugueses de oncologia (IPO) de Coimbra, Lisboa e Porto em ULS, devia ter ditado a autonomia organizacional daqueles hospitais gerais: garantir, a nível regional, a equidade no acesso aos cuidados de maior diferenciação, necessariamente concentrados.
Sendo as ULS primariamente financiadas por capitação, as suas organização interna e capacidade assistencial são, reflexamente, determinadas pela dimensão da respetiva população de atração. Acresce que, para a mesma dimensão populacional, os recursos necessários serão tanto maiores quanto maior a dispersão geodemográfica.
Portanto, a consequência-chave da alegada “maior reforma de sempre do SNS” é a iniquidade. Iniquidade no acesso a cuidados de saúde, designadamente nos que importam em maior diferenciação técnica.
Mas também os cuidados de base populacional serão comprometidos. Ou seja, aqueles que assentam na prevenção da doença clínica. Perante recursos escassos, são naturalmente priorizados os cuidados curativos. Desta forma, a doença não evitada – ou não tratada precocemente, através de rastreios organizados – irá traduzir-se em sofrimento evitável e em custos acrescidos decorrentes do seu tratamento.
O processo de extinção das ARS, desencadeado pelo Governo António Costa, concorre para o isolacionismo institucional e para a desagregação sistémica, regional e nacional, do SNS. Sem haver uma estrutura que pugne pelo todo regional, cada ULS irá estar por si própria…
* Médico Assistente Graduado de Saúde Pública; Presidente do Conselho Nacional de Promoção da Saúde e Sustentabilidade Ambiental da Ordem dos Médicos. Artigo publicado originalmente no site Healthnews.pt.
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