A Cortina de Fumo da Dalila

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CCB, Lisboa.

No passado dia 11, teve lugar na Assembleia da República, na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, a audição à Ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, sobre o tal “novo rumo para o CCB”. Confrontada com a exoneração injustificada de Francisca Carneiro Fernandes, a Ministra teceu acusações graves ao seu antecessor, o Dr. Pedro Adão e Silva, afirmando que iria pôr termo às “cunhas e compadrios” nas instituições que estão sob a sua tutela. Não serão as tais “cunhas e compadrios”, uma cortina de fumo da Ministra para esconder a realidade e substituir profissionais competentes e de excelência por dirigentes da sua cor política, isto é, do PSD/CDS? Parece-me que sim.

Por Nuno Alexandre *

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Permitam-me antes de tudo fazer um pequeno desvio. Um dos dramas do setor artístico em Portugal, é precisamente a desvalorização social, económica e política. Quem, como a Ministra, procura resumir os problemas do setor a “cunhas e compadrios” ou a subsidiodependência, desconhece por completo a realidade da atividade cultural no país. Foi com perplexidade e desagrado que ouvi no passado Domingo o Dr. Pacheco Pereira, pessoa que aliás admiro, a falar de Cultura no programa “Princípio da Incerteza”, na CNN Portugal. Para além de, na minha opinião, ter uma visão super quadrada e até preconceituosa sobre aquilo que são políticas públicas para a Cultura, foi para o programa com outros tantos argumentos que não correspondem à realidade.

Aquilo que o Dr. Pacheco Pereira e muitos chamam de “subsidiodependência” são na realidade apoios que, ao contrário do que querem fazer crer, são altamente escrutinados pelas várias entidades, venham eles do Estado Central ou das Autarquias, e que na verdade também não são muitos. Temos de começar a olhar para a Cultura tal como ela é. É um serviço público! É um serviço público como a Educação, a Saúde, etc., e assim como acontece com todos os serviços públicos, o Estado deve financiar e apoiar o setor. Se seguirmos a lógica do Dr. Pacheco Pereira, então os hospitais e a escola pública também são subsidiodependentes.

É uma visão errada e ofensiva! A nossa política de financiamento da Cultura não é muito diferente da maioria dos países da Europa! Já ouvi muitos a irem buscar exemplos de países liberais, como os EUA onde está situada a Broadway, ou até mesmo o Reino Unido e alguns países da chamada Commonwealth, onde o investimento privado é maior e onde o investimento público é quase inexistente. Mas há uma questão essencial que se coloca. Quem é que frequenta, na esmagadora maioria das vezes, esses teatros e usufrui desses espetáculos? Gente com posses! Nem todos têm o direito de usufruir da Cultura, algo que por cá está felizmente consagrado na nossa Constituição.

O apoio às artes performativas e a outros tipos de arte são também, além de tudo, uma garantia de acesso a elas! Quero dizer com isto, que é uma forma de garantir que muitas mais pessoas usufruem dos espetáculos, exposições, etc. Ouço muitas vezes o Sr. Filipe La Féria, um dos mestres do Teatro Português e pessoa que muito estimo, a dizer que se sente orgulhoso porque não vive de subsídios. Afirma que o seu subsídio é o seu público. Mas como já alguém disse, e eu repito com todo o respeito, Portugal não é West End, Broadway e não é apenas La Féria. Se todos seguíssemos a chamada “lógica de autofinanciamento”, os bilhetes de todos os espetáculos seriam vendidos a preços que seriam incomportáveis para a esmagadora maioria das pessoas. E isto vai de encontro ao que disse em cima.

Posto isto, vamos à cortina de fumo da Ministra. A audição da Dra. Dalila foi mesmo muito pouco esclarecedora. Diria até que foi fácil apanhá-la na curva porque meteu os pés pelas mãos ao falar de “cunhas e compadrios”. Ora bem, todas as nomeações feitas pelo anterior governo para as instituições culturais, foram feitas de forma bastante criteriosa. Por exemplo, as nomeações para diretores artísticos dos Teatros Nacionais passaram a ser feitas através de concurso, com júris independentes e foram fieis aos resultados. Não há nada que ligue os dirigentes nomeados pelo Dr. Pedro Adão e Silva ao PS, e por acaso, segundo nos diz o ex-ministro, no que toca à consciência/pensamento político, pelo menos três até se sentiam próximos do PSD.

No que toca ao Centro Cultural de Belém, quando o Dr. Pedro Adão e Silva assumiu funções, a parte do Museu estava entregue a José Berardo. A liquidação da Fundação da Coleção Berardo e a libertação do espaço Museu do CCB foram processos complexos, mas que felizmente foram resolvidos, e a verdade é que isso deve-se ao anterior Ministro da Cultura. Nessa mesma altura, evitou-se que a coleção Elipse fosse leiloada. A coleção do falido BPP, passou para o Estado por cerca de 30 milhões de euros e foi depositada no Museu de Arte Contemporânea do CCB. Dessa coleção fazem parte obras de autores como Julião Sarmento e Cabrita Reis, Dan Graham, Douglas Gordon, Jonh Baldessari, Cindy Sherman, ou Louise Bourgeois. Com um Museu de Arte Contemporânea de nível internacional e finalmente voltado para as Artes Performativas, o CCB ganha uma nova vida e terá de responder a novos desafios, entre os quais, a projeção de uma nova identidade e promoção de uma relação íntima entre o Centro de Artes Performativas e o novo MAC/CCB.

Isto exige que o Centro Cultural de Belém passe a ter uma programação mais robusta e mais ambiciosa, e aberta ao público e aos criadores artísticos. Francisca Carneiro Fernandes, licenciada em Direito pela Universidade Católica Portuguesa e em Direção de Empresas na AESE – Escola de Direção de Negócios, dotada de uma enorme experiência em gestão de equipamentos culturais e com proximidade às artes performativas, foi, em outubro de 2023, o nome escolhido pelo Ministério da Cultura para presidir à Fundação Centro Cultural de Belém. Foi, sem dúvida alguma, uma escolha criteriosa. Tendo em conta o seu percurso profissional, e que é do conhecimento público, não há dúvidas de que seria a pessoa ideal, capaz de responder aos novos desafios e de colocar a Fundação no topo.

Este ano, no dia 10 de Março, o país foi chamado às urnas. O país virou à direita e por consequência a cor política do Governo mudou. Desde que este Governo tomou posse, temos assistido a várias exonerações nas instituições públicas. Tudo isso, leva-nos a pensar que o Governo da direita anda a tentar colonizar as instituições, e as que estão sob a tutela do Ministério da Cultura não são exceção. Dalila Rodrigues, atual Ministra da Cultura, exonerou Francisca Carneiro da Presidência da Fundação CCB sob o pretexto de querer um novo rumo para aquela instituição, dias depois de afirmar que não o faria. Essa exoneração foi de imediato contestada pela própria Francisca Carneiro, pela Comissão de Trabalhadores do CCB e até pela UTE (União dos Teatros da Europa) que afirmou ter sido apanhada de surpresa pela decisão da Ministra e teceu elogios à então Presidente da Fundação. O PS e o BE requereram uma audição à Ministra da Cultura para que ela explicasse o motivo da exoneração e o tal “novo rumo para o CCB”.

Ora nessa audição, a Dra. Dalila em vez de gastar o seu tempo a explicar o tal “novo rumo”, decidiu criar uma cortina de fumo ao levantar acusações graves como “assalto ao poder” e “cunhas e compadrios”. O Fumo para esconder a realidade era tanto, que ainda poderíamos ver cumprida a profecia do regresso do D. Sebastião no meio daquela névoa. Mas na realidade, se a Dra. Dalila pensava que conseguiria desviar as atenções, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Não só meteu os pés pelas mãos, assim como conseguiu tornar públicas todas as suas incoerências. Sim, porque no mesmo dia em que soubemos da exoneração da Presidente da Fundação CCB, soubemos que a Ministra nomeou Nuno Vassallo e Silva para ocupar aquele cargo. E quem é Nuno Vassallo e Silva? É um estimado amigo da Dra. Dalila, doutorado em História de Arte, mas que foi Secretário de Estado da Cultura do Governo PSD/CDS de Passos Coelho, ou seja, da cor política da Ministra que tenta passar a mensagem de que é totalmente independente.

Está tudo a nu Sra. Ministra! Aquilo que aconteceu no CCB foi claramente e aos olhos de todos, um saneamento político. E a lenga-lenga das “cunhas e compadrios” são claramente uma cortina de fumo para substituir dirigentes competentes por senhores do PSD. Mas o que continua a ser bastante preocupante, é que continuamos sem saber qual é o tal “novo rumo”. Talvez a intenção seja a de desfazer todo o bom trabalho que tem sido feito pela excelente equipa e pelos trabalhadores do CCB. Espero que não, mas tendo em conta o que temos assistido nos últimos meses com este Governo, devemos estar vigilantes! Ainda sobre Cultura e “novos rumos”, estou bastante preocupado com a situação do projeto ÉVORA_27. A dois anos de Portugal ter novamente uma cidade como Capital Europeia da Cultura, a ministra da Cultura decidiu alterar o rumo do processo. Isto é preocupante e a Ministra será ouvida em breve. Esperemos que desta vez responda a todas as questões!

Quero terminar, com uma resposta que Tiago Bartolomeu Costa, Crítico e Doutorado em Artes Performativas e Imagem em Movimento na Universidade de Lisboa, dirigiu à Ministra da Cultura através do seu artigo “Dalila Rodrigues: No Palácio da Rainha de Copas”: “Não somos todos o resultado de cunhas, compadrios e favores. Há quem tenha currículo, percurso, e trabalho comprovado, com impacto social e económico, para lá do cultural e do discurso. E sirva as instituições e as tutelas, os trabalhadores e os públicos, recomponha e refreie os impulsos dirigistas, utilitários e aproveitadores, e faça das instituições um exemplo.” É isto!

* Estudante de História na FLUC, Aveiro.

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