A Cidade enquanto Serviço ou a sua (re)humanização?

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Vista aérea da cidade de Aveiro.
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A felicidade é um propósito maior da humanidade no essencial dependente da existência de interação social.

Por Alcino Lavrador *

A digitalização está a transformar a sociedade e a economia, alterando não só os hábitos de como nos relacionamos, mas também os modelos de negócio estáveis durante séculos – atingindo todas as entidades e estruturas sociais incluindo as cidades.

Com a necessária cautela, podemos tirar partido desta transformação e dar inicio um novo ciclo de humanização da cidade.

A ambição da “posse” está a dar lugar ao desejo da “utilização”; ou seja o “uso” de um bem não implica necessariamente a sua “propriedade”, daí que a maior empresa de táxis do mundo (Uber) não possua um único carro e a maior cadeia de alojamento (Airbnb) não seja proprietária de casas. Já praticamente não compramos DVDs e CDs: para ver vídeo ou ouvir música subscrevemos serviços de “streaming”.

Esta transformação não surge por acaso. É que, sobretudo, as novas gerações privilegiam uma experiência de utilizador rica e gratificante, com uma usabilidade agradável e fácil dos bens – tudo com consumo de serviços.

Fazendo um paralelo com a utilização e desenho de uma cidade, de igual forma, temos de passar a pensa-la para proporcionar a melhor experiência de utilização possível, designadamente, nos diversos pontos de contacto que ela disponibiliza.

E tal como em qualquer indústria ou negócio, é necessário segmentar os seus “utilizadores / clientes” para desenhar, para cada um deles, uma “jornada de cliente” que seja única e marcante.

A cidade transforma-se assim num serviço que é usufruído de forma diferente por um habitante, uma empresa ou um visitante.

Coisa que a subsegmentação desse serviço pode tornar ainda mais adequado a cada tipo de cliente: se este for uma criança, um idoso, um adolescente, um trabalhador ou um doente, p.e, a sua jornada de cliente na cidade será também diferente.

Esta visão permite olhar para a infraestrutura urbana, os serviços autárquicos, o edificado, a mobilidade, a habitação ou os espaços verdes, como funcionalidades de um serviço adequadas a propiciar, e exceder até, a melhor experiência e expetativa de cada utilizador, tendo em conta o contexto em são vividas.

Este modo de pensar a cidade é necessário para atrair pessoas, tal como outrora acontecia com os países, já que hoje as cidades competem entre si por talento, talento que por sua vez atrai negócios.

Retenha-se, entretanto, que a cidade que prospera é aquela que consegue atrair – e fixar – o melhor talento, que será aquele que a procura, seja pela qualidade de vida e bem-estar que proporciona, seja pelas emoções que as suas jornadas de cliente / utilizador lhe propícia.

Ora admitindo que, de um modo mais geral, as pessoas continuem o seu êxodo para as cidades em busca da sua realização pessoal, há que as torna acolhedoras, agradáveis e seguras tirando partido do que nelas melhor sirva para que “sentir a cidade nas suas diferentes dimensões” seja possível e enriquecedor.

Os sistemas urbanos ao interatuarem com os nossos sentidos, influenciam o modo como nos sentimos, comportamos e interagimos – coisa da qual nem sempre nos damos conta.

Maslow, na sua hierarquia das necessidades, mostra que depois de satisfeitas as básicas, o nível seguinte para o bem-estar humano é a conexão social.

As pessoas com fortes e positivas relações com a família e amigos são mais felizes, saudáveis e vivem mais que as pessoas socialmente isoladas.

Tal como nas empresas entre colegas, nas cidades entre cidadãos, as pessoas que expressam maiores níveis de confiança nos que lhe estão próximo, são ao mesmo tempo mais felizes e mais produtivas.

Deve-se, portanto, ter em conta a influência do design urbano, da arquitetura, do planeamento e sistemas urbanos, no fomento da sociabilização e da felicidade nos bairros e cidades.

Nomeadamente devemos desenhar e constituir espaços e serviços que incrementem a interação social: sejam espaços de pessoas de diferentes idades, culturas e capacidades; sejam espaços de concentrações espontâneas, pequenas e grandes; sejam espaços de artes, cultura e natureza; sejam, ainda, as redes e sistemas de transporte e outros – os úteis ao fim em vista.

Esta transformação necessita de um planeamento baseado em dados reais.

Tal como qualquer empresa hoje em dia recolhe dados dos seus clientes para lhes proporcionar uma melhor experiência de utilizador, antecipando necessidades e personalizando ofertas contextualizadas, também se torna necessário adequar permanentemente os diversos pontos de contacto na cidade, tendo em conta, quer a evolução sociológica, tecnológica e económica, quer o contexto dessa interação.

Mas só podemos melhorar o que medimos.

Pelo que se torna imperativo que, na cidade, (i) se instale a conetividade inteligente que recolha dados nos pontos de contacto que ela proporciona e que (ii) se adotem as soluções analíticas de informação e conhecimento sobre a vida cidade que, conjuntamente, permitam resolver em tempo real problemas ou até, prever e antecipar, oportunidades e constrangimentos.

Este processo analítico permitirá igualmente, com base no histórico, prescrever medidas que potenciem ou mitiguem os impactos de eventos naturais ou sociais.

Vários estudos demonstram que a felicidade humana depende da qualidade dos nossos relacionamentos.

Numa cidade pensada como um serviço temos condições para que as pessoas sejam tocadas emocionalmente na sua interação diária entre si e com a ela – resultando isso numa cidade onde as pessoas se sentem felizes: uma Cidade Feliz.

A Cidade Feliz resultará (i) quer do modo como é desenhada e construída relevando das suas raízes históricas e culturais, bem como do grau com isso, e ela própria, são humanizados, (ii) quer do modo como ela pode ser desfrutada pelos seus diferentes “clientes” nas suas jornadas diárias.

Para tal, os “clientes” – enquanto cidadãos – devem sentir-se incluídos nas tomadas de decisão sobre o espaço comum da Cidade.

Devem, também, as autoridades constituir as ferramentas que facilitem o engajamento dos munícipes com a sua cidade e o seu futuro.

Devem, ainda, as autoridades, tornar transparentes as decisões e ações que empreendam.

Assim, seguramente, aumentar-se-á a crítica e indispensável confiança mútua.

* Engenheiro Eletrotécnico. Diretor Geral da Altice Labs. Membro da PLATAFORMAcidades; grupo de reflexão cívica. Ver mais no blogue http://plataformacidades.blogspot.com/