A Cidade, a Mobilidade e a Habitação…

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Bairro de Santiago, Aveiro.

Se há temas que marcaram o discurso e as promessas dos candidatos autárquicos foram a Mobilidade e a Habitação. E porque, de facto, há neles problemas que são decisivos para a qualidade das nossas vidas e da do planeta, quer o Parlamento quer o Governo legislaram, tendo este último criado programas e disponibilizando verbas para os minimizar ou resolver. Resolver, neste caso direta ou indiretamente com a intervenção apoiada de Autarquias, IPSS, Cooperativas, Privados e Proprietários.

Por Pompílio Souto *

Só para otimizar a Mobilidade e disponibilizar mais Habitação podemos gastar mais de 542, milhões num só ano. É muito, é verdade, mas é necessário.

1. Temo, no entanto, que aconteça o que “tradicionalmente” ocorre em situações deste tipo: “que se procure pela agulha onde há mais luz e não no escuro onde ela nos caiu”.

E no escuro está que muita da Mobilidade que nos falta decorre, quer do tipo de povoamento disperso que teimamos em não nuclearizar, quer da falta de consolidação dos núcleos urbanos teimando em não impor que, neles, todos os lotes e edificações sejam ocupados com usos diversificados e os habitacionais em maioria, sendo que destes uma parte significativa seja pública ou de uso público;

No escuro está também o medo dos poderosos, a preguiça ou incompetência que (ainda) caraterizam muito do que se faz, ou deixa fazer, no domínio do planeamento urbano e investimento imobiliário ou outro, seja público seja privado; continuamos a trabalhar tolhidos por uma estrutura fundiária e de acessos doutros tempos, vidas e aspirações;

No escuro está ainda, o imediatismo dos que cavalgam as ondas do que está a dar, fazendo passadiços e ciclovias antes dos passeios, ruas e praças que pouco temos e que, quando com dinheiros públicos as reabilitamos assim acrescentando valor aos pertences privados da respetiva envolvente, nada disso lhes cobramos; continuamos a fazer Cidade sem “modelos de referência” antes avançando para os “Edifícios-objeto” e não os “Conjuntos-edificados”, assim alongando infraestruturas e serviços públicos a “entidades funcionais” que haveriam de ser “Quarteirões”, “Bairros” ou “Unidades de Vizinhança”;

No escuro, meus Caros, está que a Cidade é – antes de mais – uma obra coletiva em curso e de comunidades que a vivem, usam, fruem e deixam como seu legado;

No escuro estão finalmente (para ser breve) razões ideológicas ou de mero interesse individual e corporativo que comandam o “sacrossanto respeitinho” pela “propriedade privada mesmo que não socialmente útil” (coisa que até o Papa Francisco nega) e a crença de que o “mercado” – por si só – fará em Portugal e no domínio da Habitação acessível o que não fez nem faz em mais parte nenhuma do mundo.

Assim sendo meus caros, temo que parte daquele nosso dinheiro seja um “desperdício” ou pior um “benefício ao infrator”.

2. Temos de meter nas nossas cabecinhas que a “Terra é um bem escasso” e que a “Espaço urbanizado ainda o é mais”.
E que manter uma e outro ao serviço d’alguns nos leva coiro e cabelo o que não é nem justo nem sustentável, coisas que outros já e resolveram há muito.

A Holanda tem mais 7 milhões de habitantes do que nós num território que é menos de metade do nosso; com uma densidade demográfica quase quatro vezes superior à nossa, o que não implica que os holandeses vivam encavalitados uns nos outros e que a paisagem de que dispõem seja desqualificada; nela o que mais se vê: – São…tulipas, meu senhor.

Precisamos de reconhecer, também, que isso lhes permite ter infraestruturas gerais e de Mobilidade muitíssimo mais baratas, quer no fazer, quer sobretudo no manter.

Temos de meter nas nossas cabecinhas que sem “habitação acessível” nada mais na vida se faz como devia – o que resolvido é bom para quem a usa, mas também para os demais.

Reconheceram isso há muito, muitos outros na Europa. Que a “habitação acessível” teria de ser garantida fora do “mercado” e que teria de ser pública ou cooperativa.
Em Portugal habitação deste tipo é 2% do total; na Holanda é 33%; na Áustria 25% e em Viena (sua capital) 60%; na Dinamarca e França 20%.

Ora nós andamos há mais de 80 anos a “trabalhar” para conseguir aqueles miseráveis 2%: – Basta!

3. A “Habitação” é um direito que é constitucionalmente reconhecido entre nós cabendo ao Estado garanti-lo.

Mas, meus Caros, as “casas desocupadas” (*) em Portugal são 27 vezes mais do que as necessárias para os desalojados…! E assim sendo será razoável – sem mais – gastar 4 mil milhões de euros a fazer as que se diz “faltar”?

E onde é que vão ser feitas? E como é que lá se chega e de lá se vai para o trabalho e para o mais que aos residentes seja necessário ou apeteça aceder em segurança, conforto e custo razoável?
Mandaria a prudência e, do meu ponto de vista, o bom governo da coisa pública, que se aplicasse a legislação e os meios financeiros que a Assembleia da República, o Governo e as Autarquias têm à sua disposição para servir o país.

(*) Segundo o conceito da LBH, que exclui 2ªs Habitações, Casas de Imigrantes, e Outras de uso não permanente justificado.

4. Começando por fazer e reunir os estudos, meios financeiros e fundiários que permitam tornar mais sustentável o território e mais qualificados, inclusivos e polivalentes os espaços, edificados e não edificados, e a vida que neles se faça.

Salvaguardar (não vendendo) ou constituir (adquirindo ou expropriando como a lei prevê) “bolsas de terreno público” com localizações estratégicas;

Promover a utilização – se necessário “forçada” como a lei prevê – do que está “desocupado” ou “inabitável” e complementar essa oferta com outra incluída em operações ou edifícios de iniciativa pública ou privada, conforme a lei prevê e permite;

Fazer regressar ao uso habitacional as frações ou edifícios que assim melhor sirvam as presentes necessidades, o interesse público e a qualidade e segurança da vida urbana, construindo, se for preciso, o necessário para as funções que agora acolhem – começando isso a ser feito no que pertence à administração pública.

Ponderar sobre a razoabilidade, oportunidade e interesse sociocultural e económico-financeiro de contribuir com bonificações ou dinheiros públicos para construir “casas” destinadas a este ou aquele setor ou classe, grupo profissional, étnico ou até dedicado a meros momentos de uma vida, antes favorecendo a integração de todos esses nas edificações e comunidades mais alargadas em benefício dos próprios e todos os demais.

Reconheço que haverá necessidade de assegurar alojamento de uso transitório ou com algum grau de permanência para alguns “grupos de profissionais ou extratos da população”, mas meus caros esta foi “uma moda salazarenga” de comprar fidelidades e dependências…

Hoje não será isso mas será seguramente uma “segmentação” que, quer seja aplicada à Habitação, quer seja aplica à localização de “funções urbanas” essenciais, suscita o sério risco de gerar “híper magnetes ou buracos negros urbanos” quando não “guetos” (bons ou maus, dependendo de quem os vive e os vê).

5. Se bem usado o que temos hoje à nossa disposição para Habitação e Mobilidade permitir-nos-á começar a resolver – simultaneamente – os problemas que nelas temos e os do tipo de Povoamento que herdámos, introduzindo modelos que nos garantam um território e espaço urbano mais sustentáveis e, por isso menos onerosos e com mais e melhor futuro.

* Arquiteto. Coordenador da PLATAFORMAcidades – grupo de reflexão cívica. Blogue Plataforma Cidades  [email protected]

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