A azulejaria aveirense está a desaparecer

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Antigo edifício da Assembleia Distrital / Atual sede da CIRA, Aveiro (Fotografia de José Dinis).

A azulejaria artesanal, semi-industrial e industrial produzida em seis fábricas de Aveiro, durante quase um século, entre 1882 e os anos 1970, está a desaparecer.

Manuel Ferreira Rodrigues *

Uma a uma, todas as velhas casas da cidade revestidas de azulejo padrão vão desaparecendo para darem lugar a edifícios novos (ou recuperados) que exibem outros materiais, nem sempre mais duráveis, ditados pelo moderno design industrial e pelas novas correntes da arquitetura contemporânea.

Diferentemente, os (poucos)painéis de azulejos figurados,ainda existentes, têm conseguido sobreviver à pressão da renovaçã0 urbana. Mas o precário estado de conservação de alguns deles também não augura um futuro risonho.

Infelizmente, a situação em que se encontra este frágil património já não mobiliza escolas, associações e municípios.

A luta pela salvaguarda, conhecimento e preservação deste rico património foi substituída por outros combates e, pior, por uma aceitação conformada com o seu (inevitável) fim. E, assim,aos poucos, a cidade de Aveiro, uma cidade feita de água, sal, barro e luz, vai ficando mais parecida com tantas outras cidades em qualquer parte do mundo…

Mais uma entre tantas.

Ora, a azulejaria dá a Aveiro uma identidade singular. Única. Sobretudo o azulejo de finais de Oitocentos e das primeiras décadas do século XX. Azulejo de estampilha. Pintado, um a um, a várias mãos. Azulejo de mil cores. De mil padrões.

Mais do que os painéis figurados, é o azulejo de fachada que dá à cidade uma riqueza cromática única. Caleidoscópica. De manhã, ou ao fim da tarde, a luz do sol esmaga-se estrondosamente contra as fachadas de azulejos, desmaterializando-as, esventrando-as, num espectáculo de revérberos brancos ou cores incendiadas.

É um património cada vez mais ameaçado. Porque é frágil. Demasiado frágil. Porque anda no ar um certo espírito novo-rico, ignorante e provinciano. Dissipador.

Capaz de vender a alma ao diabo por um brilhozinho dourado de pechisbeque. Sem memória, o fascínio que o «moderno» exerce sobre o novo-rico confunde o antigo com o velho… E, assim, os azulejos antigos são muitas vezes substituídos pelas tintas preta e cinzenta que crescentemente enlutam as fachadas de edifícios, novos e recuperados…

Os primeiros azulejos aplicados no exterior de edifícios em Aveiro foram aplicados, em 1857, na fachada do palacete de Sebastião de Carvalho Lima, pai de Sebastião e Jaime de Magalhães Lima, hoje sede da Associação de Municípios da Ria, na Rua do Carmo. Dez anos depois, também a fachada da igreja da Misericórdia se vestia de azulejo estampilhado numa fábrica do Porto. Até então, o azulejo recobria apenas o interior de igrejas e de palácios.

Começava então a «moda do azulejo», como dizia o Campeão do Vouga nesse tempo. Até porque o azulejo protege e embeleza as frustes fachadas das casas, nomeadamente as que se ergueram com materiais pobres, como o adobe. O azulejo transfigura a arquitectura e valoriza a composição dos alçados pela força dinâmica das suas composições, pelos surpreendentes efeitos visuais dos seus padrões.

E como poderemos aceitar perder os painéis de azulejos figurados aveirenses? São obras únicas. Não substituíveis. Na velha estação do caminho-de-ferro, os pintores da Fábrica da Fonte Nova (1882-1937), Francisco Luís Pereira e Licínio Pinto, fixaram em belos painéis os temas regionais. Nas Escadarias do Parque do Infante D. Pedro, o verismo fotográfico daquelas figuras femininas olham-nos, sorridentes há perto de um século. Também os belíssimos painéis-cartazes publicitários da antiga Sapataria Leitão continuam a encantar-nos.

Felizmente, há exemplos de como se pode construir sem destruir este património. Na Rua Manuel Firmino, felizmente foram preservados, para júbilo dos nossos sentidos, os belos painéis, em tons rosa e verde «Arte Nova»,alusivos às quatro estações do ano. O mesmo aconteceu recentemente com o monumental revestimento de azulejos da «Casa das Zitas»,na Praça Marquês de Pombal. Aceitaremos de ânimo leve a degradação deste património?

* Historiador e docente universitário. Artigo publicado originalmente no boletim da Associação de Solidariedade Social dos Professores.

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