A árvore em Portugal: Um país negligenciado e com cada vez menos árvores

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Parque Municipal do Antuã, Estarreja.
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Apesar do seu clima convidativo, embora cada vez mais ameaçado pela seca e inevitavelmente com constrangimentos a vários níveis, desde a produção agro-pecuária ao turismo. De facto, as nossas paisagens estão a mudar muito rapidamente nas últimas décadas evidenciando um país negligenciado … estamos a ficar sem árvores!

Por Alexandra Azevedo *

Mas antes de apresentar o rol das ameaças e dessa forma sobressair o dramatismo da situação, destaca-se desde já que com vontade podemos inverter o rumo. Na falta de liderança política, que com a orientação certa possibilita sem sombra para dúvidas mudanças muito mais rápidas, neste caso no sentido desejado para o bem comum, é sobretudo pela iniciativa da sociedade que já podemos indicar formas de ultrapassar, mas visível no setor agrícola com práticas regenerativas que permitem melhorar ano após ano a fertilidade do solo e com isso aumentar retenção de água e produtividade. Realçar que para termos a água que a produção agrícola necessita não precisamos de grandes barragens, mas sim de mudanças de práticas que respeitem o solo e infraestruturas descentralizadas de retenção da água, como charcas, e, por conseguinte, mais próximas dos seus utilizadores.

Sim, é possível mudar o ciclo vicioso da destruição para o ciclo virtuoso da regeneração, mais depressa do que imaginamos, se quisermos e soubermos ser a ajuda de que os ecossistemas perturbados pela nossa ação necessitam.

Voltando à questão inicial, em Portugal, todos os motivos têm sido bons para justificar o abate de árvores. Senão vejamos:

– Nas áreas urbanas: apesar os esforços recentes para a recuperação e criação de corredores ecológicos e de uma infraestrutura verde mais interligada com a infraestrutura cinzenta, a conceção dos espaços urbanos continua a ser muito agressivo para as árvores, devido á impermeabilização e artificialização excessiva, com abundantes “jardins de pedra” (árvores enclausuradas em minúsculas caldeiras rodeadas de calçada, coberturas de inertes, como brita, e outros tipo de pedras, que lhe asfixiam as raízes), e de referir ainda os parques urbanos com uma conceção simplificada e sem biodiversidade, com extensos relvados e predomínio de espécies ornamentais. Inevitavelmente a sua saúde é débil, agravada pela má escolha de espécies ao espaço disponível, ao seu porte e falta de correta preparação do solo no momento da plantação, às consecutivas más práticas com podas radicais. O abate torna-se inevitável para salvaguardar a segurança pública, mas além de não haver muitas vezes a necessária reposição, a má conceção e más práticas continuam e assim também este ciclo vicioso… Mas ainda há mais a dizer sobre este tópico, a pressão social para o abate das árvores é outra faceta com que sobretudo as autarquias locais enfrentam. Os motivos são os “incómodos intoleráveis” que as árvores causam na opinião de uma camada ainda significa da nossa sociedade, ou que mais se manifesta, como a sua sombra que encobre as fachadas das suas moradias ou prédios, as folhas que “sujam” os arruamentos ou as alergias que perturbam a qualidade de vida.

A expansão urbana, com toda a panóplia de jogo de interesses, remata a ameaça às nossas árvores, e ecossistemas, colocando na gaveta qualquer boa intenção de um ordenamento do território equilibrado, que preserve leitos de cheia, solos com melhor aptidão agrícola ou áreas naturais merecedoras e/ou com estatuto de proteção.

– No setor da floresta: é cada vez mais evidente o barril de pólvora em que o país se tornou, pela inexistência política florestal, e como tal de uma diversificação de produtos e fileiras florestais, como madeiras nobres, frutos, cogumelos e até turísticos, reflexo de políticas públicas que se deixaram ficar reféns de interesses corporativos.

– No setor agrícola: premeia-se a destruição dos serviços ecológicos e retira-se da equação a natureza, apesar de todas as estratégias e programas de apoio que enunciam o seu oposto! Avançam as monoculturas e o regadio intensivo, e apesar das evidências da insustentabilidade, a vários níveis, deste sistema, o coro continua afinado para apontar as mesmas “soluções”, que assenta essencialmente em mais barragens, esquecendo que isso conduz a mais abate de árvores para as bacias de retenção da água, contribuindo assim ainda mais para o problema de fundo que é a interrupção do ciclo da água. O risco destas barragens nunca encherem, e, consequentemente, de não servirem o propósito propagandeado, é cada vez maior.

– Na gestão do território em geral: vias de comunicação, linhas elétricas, cumeadas, são exemplos de áreas em que o enquadramento legal obriga à desflorestação. Fogo controlado, abate e destroçadores mecânicos, são as ferramentas que vão delapidando o nosso património natural, assente na lógica distorcida de que a prevenção de incêndios se faz desmatando. Ora, estamos a falar de muitos milhares de quilómetros onde são investidos muitos recursos, com a agravante de empobrecer os proprietários florestais e o país em geral, e sem prevenir os incêndios! O grande incêndio recente na Serra da Estrela provou precisamente que todo esse esforço foi em vão e apenas se conseguiram salvar as áreas arborizadas de folhosas. A natureza gratuitamente a

A todo este cenário nas diversas tipologias do território, com responsabilidades difusas, mas inevitavelmente que recaem nos sucessivos governos, contribui para o sucesso da ação criminosa dos fogos em Portugal, e enviesam qualquer tentativa de uma real proteção civil. Nunca teremos os meios nem a capacidade de responder às consequências destas circunstâncias sem mudarmos a nossa consciência e nos aproximarmos verdadeiramente da natureza, de a mimetizar nas chamadas, Soluções Baseadas na Natureza, em vez de, qual aprendiz de feiticeiro, a querermos “controlar”.

Em conclusão, aparentemente, de nada ou muito pouco tem servido as várias comemorações para enaltecer as árvores, e a floresta em geral, pela sua sombra e regulação da temperatura, garantir inúmeros ciclos, em destaque para o ciclo do carbono e o ciclo da água, serviços cada vez mais necessários para fazer face às consequências mais graves das alterações climáticas.

Independentemente da resposta à questão: ainda vamos a tempo? Importa agir!

* Presidente da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza. Artigo publicado originalmente no site Greensavers.

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