A ameaça de seca e os espaços verdes na cidade

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Parque do Rio Ul, São João da Madeira.

É preciso repensar os jardins de forma a que tenham menor necessidade de regas e baixos custos de manutenção. Como é que se consegue isso? Utilizando espécies nativas para a sua vegetação.

Por Vasco Paiva *

‘A presente ameaça de seca exige medidas de contingência para gerar poupanças de água, mas não podemos ficar pelo imediatismo, temos de tomar medidas para o futuro, porque as situações de crise se podem repetir.

Hoje as maiores incidências estão a verificar-se na agricultura e o Governo atrasa-se na adopção de medidas de contingência quer para apoio aos agricultores e criadores de gado, quer no plano mais geral se essa escassez se reflectir mais tarde no abastecimento de água para consumo humano.

Em situação de crise, permitiu-se que as barragens se esvaziassem porque era necessária energia também para compensar o encerramento precipitado de centrais como o Pêgo ou Sines.

É necessário definir prioridades no fornecimento e uso da água. Tem de se reconsiderar o uso de água potável na rega dos campos de golfe.

Também nas cidades é necessário repensar as regas dos jardins, a começar pelos jardins públicos e o uso de água em piscinas privadas.

Impõe-se uma visão integradora dos espaços verdes, dos jardins e parques, em qualquer cidade.

Não se trata de uma visão pontual, a conta-gotas, aqui e ali, que logo se faz, logo se inaugura, logo se esquece e abandona…

É preciso interiorizar na política da cidade, nos cidadãos, nos técnicos e responsáveis autárquicos, os benefícios das árvores e dos espaços verdes. Não é apenas por ser bonitinho, é também pelos seus impactos reais na qualidade de vida das populações.

As árvores não podem ser vistas como um estorvo, porque tiram um ou outro lugar de estacionamento, porque deixam cair folhas, porque levantam o piso… claro que se não se criam caldeiras à volta das árvores, se espalham o alcatrão até ao tronco, a árvore, as raízes vão reagir porque lhes está a ser criada asfixia radicular. Mas em vez de se cortar uma árvore, ou as suas raízes, pode-se simplesmente altear o piso. Com uma escolha criteriosa das espécies a utilizar muitos desses “problemas” desapareceriam.

Tem de se acabar com as podas de touça alta, podas abusivas de árvores. Uma coisa é cortar um ramo morto ou uma poda de formação de ramos inferiores. Outra são as podas radicais, desnecessárias, inúteis que ficaram conhecidas como “podas camarárias” que mutilam as árvores e encurta-lhes radicalmente o seu tempo de vida. As árvores sujeitas a esse tipo de podas (ver fotos) terão um terço de vida em relação às não podadas.

Já ouvi chamar-lhes podas “de cabeça de salgueiro”. Ora, não são salgueiros, são espécies bem distintas e as podas que por vezes se fazem nos salgueiros são para estimular o aparecimento de ramos, vimes utilizados em cestaria e móveis. Não têm fins ornamentais, têm objectivos de produção!
As árvores no meio urbano devem crescer no seu porte natural, sem artificialismos. Há demasiado abuso da motosserra. Não só se desperdiça trabalho e dinheiro como se comete um atentado contra as árvores.

Quando chegarmos ao Verão, aos dias muito quentes, as pessoas sabem apreciar a sombra de uma árvore ou uma rua coberta de árvores. Uma rua com árvores reduz substancialmente a temperatura, comparando-se por exemplo com uma em que não existam.

As árvores no processo da fotossíntese fixam o carbono, libertando-se assim o oxigénio, combatem a poluição. As árvores fazem sombra no Verão, ajudam na intercepção da radiação solar, reduzem os excessos da temperatura; sendo espécies de folha caduca permitem a passagem dos raios solares no Inverno.

Há quem afirme que tem alergia ao pólen, mas o que as pessoas vêem são sementes a esvoaçar. Como se pode verificar nas publicações da Sociedade Portuguesa de Alergologia, essas irritações e alergias não são provenientes das árvores, mas das gramíneas. Como coincidem no tempo, as pessoas tendem a confundir.
A vegetação nas cidades contribui para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, tanto em termos físicos como psíquicos.

Necessitamos de uma visão integrada dos espaços verdes e a criação de corredores verdes. Têm de ser atractivos em termos estéticos, mas também têm de ser sustentáveis, multifuncionais e ecológicos.

É preciso repensar os jardins de forma a que tenham menor necessidade de regas e baixos custos de manutenção. Como é que se consegue isso? Utilizando espécies nativas para a sua vegetação.

Utilizando espécies nativas reduz-se os custos de rega. À medida que as plantas se instalam no solo, progressivamente deixa de haver necessidades de rega. Também as podas deixam de ser necessárias, excepto para a eliminação de ramos mortos ou após a floração para melhorar o crescimento vegetativo. Em alguns casos a utilização de prados com flores silvestres são preferíveis aos relvados, pela exigência de regas destes últimos.

Em Coimbra existiam muitas plantas espontâneas de sabugueiro que foram erradamente eliminados em ajardinamentos públicos. Chega-se ao disparate de se eliminarem muitas plantas e flores silvestres, espontâneas porque acham que é preciso limpar.

Exemplos de espécies nativas para os nossos jardins? Aqui vão alguns: alecrim, alfazema, erica, madressilva, medronheiro, murta, pascoinhas, pilriteiro, rosmaninho, sabugueiro e tantas outras.

Já imaginaram os cheiros, as cores, as pequenas aves que se vão alimentar dos seus frutos?

Para uma visão mais adequada dos espaços verdes nas cidades são essenciais técnicos capacitados, com formação em arquitectura paisagista, arboricultura urbana, engenheiros florestais.

* Engenheiro Florestal.

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