Ramal ferroviário do Porto de Aveiro.

A expressão “obras de Santa Engrácia” é usada para descrever algo que está inacabado ou demorado, que parece nunca terminar. Sermão é um discurso, geralmente “religioso”, que pode ter vários significados. Normalmente proferido de um púlpito, por um “especialista”, geralmente durante uma “missa”.

Por Antóno Nabo Martins *

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Hoje, tenho de voltar 10 anos atrás, não por ser saudosista, mas para falar de um tema que começou a surgir então de uma forma mais incisiva – o Porto Seco da Guarda. Isto porque o Município da Guarda tem sido uma verdadeira “locomotiva” deste assunto. Como tudo em ferrovia, a inércia do movimento não tem sido fácil de ultrapassar.

Mas devagar, devagarinho lá se vai vendo a luz ao fundo do(s) túnel(eis) da Linha da Beira Alta.

Recentemente tive a oportunidade de assistir a uma sessão acerca do compromisso da Região Centro com o transporte ferroviário no Corredor Atlântico. Novamente, a “locomotiva” foi o Município da Guarda. Excelente iniciativa que parabenizo, mas mais uma vez saí com aquela sensação de que faltava ali algo, até por algumas das explicitações que foram difundidas a partir do púlpito…

Não…, o Corredor Atlântico é nacional e não regional e, em minha opinião, é assim que deve ser pensado.

Não…, o nosso país não pode desperdiçar recursos, mas tem de os utilizar de forma una, pensando o território como um todo, e só assim se poderá falar em coesão territorial. E coesão é: união, harmonia, coerência, ou força de atração, ou seja, é a relação entre os elementos de um sistema logístico, que torna a sua compreensão mais fácil e que contribui para a coerência territorial.

Não…, isto não significa que numa faixa de cerca de 400 km onde os comboios de mercadorias circulam e nas duas ou três ligações à fronteira com Espanha surjam agora plataformas, terminais e afins, como cogumelos, porque se julga que o seu aproveitamento estratégico regional vai ser relevante para o projeto nacional Corredor Atlântico.

Uma força de atração que não atraia para um núcleo principal, repulsa. Se o resultado é uma “repulsa” relativamente ao núcleo, esse núcleo não agrega, não junta e não ganha força para atingir resultados eficazes. “O todo é maior que a soma das partes”, o que significa dizer que a natureza do todo é diferente da mera soma das suas partes.

O Corredor [Atlântico] deverá ser constituído por plataformas, terminais, portos secos, operadores, entidades, instituições, empresas e pessoas. Se não conseguirmos atrair todos estes parceiros, dificilmente teremos Corredor…

Um todo conectado é mais poderoso do que as suas partes separadas, ou seja, um Corredor Atlântico conectado é muito mais poderoso e eficaz do que a soma dos vários terminais, das várias plataformas, dos vários ramais, das várias linhas, dos vários operadores a trabalhar de forma dessincronizada. Tudo isto sincronizado (engatado) é que faz a “locomotiva” puxar os vários “vagões”.

Que fique bem claro que nada se faz sozinho, e em ferrovia muito menos. A complementaridade entre modos de transporte é crucial para o sucesso; temos de encontrar formas de mostrar que estas soluções logísticas são competitivas. Os parceiros deste caminho podem ser marítimos, rodoviários e até aéreos. Temos de competir quando temos de competir, e temos de ser complementares e comprometidos quando temos de criar parcerias. É o próprio mercado que o diz. Reforço que a ideia não pretende retirar o protagonismo à Rodovia, até porque sem ela nada se fará.

Este núcleo principal é o Corredor Atlântico, que não se faz sozinho. O Corredor deverá ser constituído por plataformas, terminais, portos secos, operadores, entidades, instituições, empresas e pessoas. Se não conseguirmos atrair todos estes parceiros, dificilmente teremos Corredor Atlântico.

Tenho vindo a falar da necessidade de idealizar uma rede compatível com as necessidades do país, de modo que não se desperdicem recursos nem se faça uma cobertura deficiente do território. O seja, importa criar “corredores logísticos”, que permitam servir a carga, ajudem a atingir as metas ambientais, incrementem a intermodalidade, aumentem a quota de mercado e ao mesmo tempo “alimentem” o Corredor Atlântico.

A ferrovia é um processo complexo. O transporte de mercadorias por ferrovia é igualmente complexo, por isso temos todos de desligar o “complicómetro”, deixar de olhar para a nossa “pequena área” ou “grande área”, pensar no “campo” todo e perceber o quão pequenos somos. Só juntando, só unidos, teremos força e escala para chegar mais longe de forma sustentável e competitiva. Temos de ter um pensamento mais estratégico, congruente com as necessidades e carências do sistema logístico nacional, de modo a eliminar redundâncias, congestionamentos ou coberturas ineficazes da conetividade de que os negócios e as empresas tanto carecem.

Muito honestamente, quer-me parecer que Portugal está cheio de “padres”, entenda-se especialistas, que durante algumas “missas”, entenda-se congressos, seminários, eventos, encontros e tertúlias, falam do assunto como falam das obras da “igreja” de Santa Engrácia.

Basta olhar para o lado (Espanha) e ver a prática (luz).

* Presidente da Associação dos Transitários de Portugal. Artigo publicado originalmente no site Transportes & Negócios.

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