
No passado dia 11 de Abril estreou na TVI a minissérie “Mulheres, às Armas”, criada e redigida pela enorme Filipa Martins. Uma história inspirada nas histórias reais de tantas e tantas mulheres anónimas. As atrizes Sílvia Chiola, Victoria Guerra, Madalena Almeida e Sara Carinhas são as grandes protagonistas.
Por Nuno Alexandre *
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Quase 51 anos depois da Revolução de Abril, esta minissérie faz-nos recuar aos tempos sombrios da Ditadura e da Guerra Colonial, e dá-nos a conhecer vários perfis femininos de diferentes origens que se aventuram no caminho titubeante da emancipação, da luta social e da política.
A dor imensa, o desgosto e o sofrimento atingiram muitas famílias portuguesas durante a Guerra Colonial. O pior que podia acontecer era uma Mulher receber a notícia de que o seu filho, o seu irmão, o seu amigo, o seu namorado ou o seu marido iam para a tropa e que mais tarde iriam para África. A Guerra Colonial foi, como todas as guerras, uma guerra injusta e cruel. Portugal vivia debaixo de um regime fascista que tinha sede de poder e que pretendia levar avante o seu projeto colonialista, de saque, de ódio e destruição. As Mulheres assumiram um papel fundamental nesta época, sobretudo na contestação ao regime totalitário e ao sistema patriarcal machista e conservador que as resumia ao papel de “fadas do lar” e que sistematicamente as rebaixava, explorava, destratava e humilhava. Muitas delas foram alvo de repressão, foram perseguidas, detidas e torturadas pela PIDE e até silenciadas.
Sílvia Chiola interpreta Adília, uma jovem com uma vida difícil, praticamente analfabeta e que vive um romance com Armando (Rodrigo Tomás), um jovem que acaba por embarcar para a guerra do ultramar. Victoria Guerra interpreta Isabel, uma mulher da alta sociedade que vive em profunda angústia e sofrimento desde que perdeu o seu marido em África. Sente bastante na pele o caráter machista e odioso do regime, pois não tem acesso à sua conta bancária e não pode sequer assinar um cheque. Ingressa novamente no mercado de trabalho, e é na fábrica que conhece as suas camaradas de armas e de luta. Madalena Almeida interpreta Deolinda, uma mulher sonhadora, pronta para ir à luta e enfrentar tudo e todos, até mesmo a prória Mãe (Sílvia Filipe). Sara Carinhas interpreta Lurdes, uma mulher politizada e sindicalizada e que incentiva as colegas a lutarem contra a guerra, contra o fascismo, pela igualdade de direitos e pela liberdade. Na história destas quatro Mulheres, está a história de milhares de portuguesas. Na minissérie está a história de muitas mulheres anónimas que passaram exatamente pelo mesmo.
Estamos a dias de celebrar os 51 anos da Revolução de Abril que derrubou a Ditadura e nos deu a Liberdade e a Democracia. Aliás, a série termina de forma emotiva com o 25 de Abril. Passados todos estes anos, a luta não acabou e não podemos baixar os braços. Nas últimas cinco décadas de Democracia, Portugal mudou muito. Fomos capazes de fazer grandes transformações sociais, políticas e culturais. Com o 25 de Abril, a Guerra terminou. A descolonização e o processo de independência dos territórios africanos foi longo e complexo, mas o fim da guerra e a chegada da liberdade foi um verdadeiro e importantíssimo virar de página.
Ainda assim, a Guerra Colonial continua a marcar a vida dos vários povos. São públicos os casos de depressão, de ansiedade e de incapacidade que atingiram uma larga maioria dos antigos combatentes. O tema foi um tabu durante décadas no seio das Forças Armadas e no país. Mas também muito do racismo e do ódio que hoje é visível na sociedade portuguesa têm ligações ao passado colonial. O Colonialismo Português continua a ser um tabu. Em algumas escolas, ainda se aborda o passado colonial como algo romântico, dourado e muitas das vezes os massacres e horrores são varridos para debaixo do tapete. É preciso romper de vez com esta abordagem. Mas voltando às grandes transformações sociais, as mulheres venceram quando deixaram de ter de pedir ao marido autorização para fazerem a sua vida, viajar ou trabalhar. Quando, durante e depois da Revolução saíram à rua de cabeça erguida e punho cerrado. A luta pela despenalização da IVG foi uma luta muito longa. O aborto clandestino era terceira maior causa de morte materna em Portugal.
Houve casos em que as mulheres foram denunciadas pelos próprios namorados ou maridos e que depois acabaram por ser humilhadas nas salas dos tribunais. Como disse, esta foi uma luta longa e dura. Levou à união de imensas Mulheres que por todo o país gritaram “O crime está na Lei! Os criminosos são vocês!” Esta conquista chegou anos mais tarde, em 2007, e através de um segundo referendo. O 25 de abril trouxe promessas de igualdade de género. As mulheres passaram a ser livres para fazer as suas escolhas e desafiaram as regras. Começaram a ocupar cargos e funções que durante muito tempo lhes foram negadas, passaram a estar em maioria nas universidades e a contar com direitos sexuais e reprodutivos que lhes deram o poder de decidir as suas vidas.
Mas não nos enganemos, porque ainda há muito caminho para fazer e que tem de ser feito! Relativamente à paridade, essa ainda é uma realidade distante. As mulheres continuam a ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho, estão menos representadas na Assembleia da República, nas administrações de grandes empresas e também em profissões ligadas à ciência e à tecnologia.
Além disso, trabalham mais horas, principalmente nas tarefas domésticas e de prestação de cuidados à família, e nas questões relativas à maternidade continuam a ser as mais prejudicadas no emprego. Outro problema que atinge bastante as mulheres neste país é a violência doméstica, o crime que mais mata em Portugal. Continuamos a falhar muito! A justiça continua a falhar muito! Temos muito trabalho pela frente!
Bravas Atrizes! Brava Filipa Martins! Brava Historiadora Irene Pimentel, que é uma enorme referência para mim, e que foi responsável pela consultoria histórica deste projeto! A minissérie deve ser vista por todos, sobretudo pelos mais jovens, até porque tudo isto não é um passado longínquo. É até bem recente! Para quem não viu, está disponível na TVI Player. É uma série bem construída e tão verdadeira, com um elenco fabuloso e de luxo! Termina com a seguinte mensagem: “Os direitos conquistados não são permanentes, a ameaça a esses direitos é real e o retrocesso é uma possibilidade evidente”. Não baixamos os braços! A Luta Continua! MULHERES, ÀS ARMAS!
* Estudante de História na FLUC.
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