Misoginia digital

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Tecnologias.

Nos últimos anos assistimos a uma crescente preocupação com o impacto dos conteúdos digitais na formação das novas gerações. A série britânica Adolescência, que aborda a disseminação de discursos misóginos e a influência da comunidade incel entre os jovens, tornou-se um fenómeno cultural e levou o governo britânico a disponibilizá-la gratuitamente para exibição nas escolas e liceus.

Por Diogo Fernandes Sousa *

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Esta decisão reflete uma abordagem educativa e preventiva, reconhecendo que a radicalização ideológica não ocorre apenas em espaços físicos, mas também no universo digital pelo que Portugal deve acompanhar esta tendência e considerar medidas semelhantes, reforçando o papel da educação na desconstrução de narrativas de ódio e misoginia que proliferam nas redes sociais.

A radicalização online e o crescimento da misoginia digital não são fenómenos isolados, mas sim sintomas de um problema social mais profundo. A comunidade incel, tema central da série, não surge num vazio cultural, representando uma manifestação extrema da frustração masculina associada a normas de género rígidas e a um sentimento de exclusão social. Muitos jovens, particularmente do sexo masculino, sentem dificuldades em lidar com rejeições emocionais e interpessoais, encontrando nas redes sociais e em fóruns fechados um espaço onde essas emoções são amplificadas e manipuladas por desconhecidos. A falta de literacia emocional e digital torna-os mais vulneráveis à propaganda misógina, que apresenta as mulheres como culpadas pelas suas dificuldades pessoais, fomentando um perigoso ciclo de ressentimento e ódio.

Em Portugal, especialistas alertam para um retrocesso nos padrões de respeito pelas mulheres e para um aumento da vulnerabilidade das jovens perante discursos de dominação masculina. A Confederação Nacional das Associações de Pais e vários psicólogos educacionais sublinham que os pais, frequentemente, não possuem as ferramentas necessárias para orientar os filhos na interpretação crítica dos conteúdos digitais que consomem, por isso a literacia digital e a regulação emocional são componentes fundamentais que deveriam ser mais exploradas no sistema educativo.

A decisão do Reino Unido de integrar a série Adolescência no currículo escolar revela um reconhecimento de que a escola também deve educar para a cidadania e para uma convivência social saudável. O combate à misoginia digital deve ser tratado de forma estruturada, com a implementação de planos educativos que incentivem o pensamento crítico e a empatia. Portugal poderia seguir este exemplo, promovendo o debate sobre este tema nas escolas, mas também criando estratégias pedagógicas para desmontar discursos de ódio e sensibilizar os jovens para o impacto das suas interações digitais.

Para além da dimensão educativa, é imperativo reforçar a regulamentação das plataformas digitais. O Reino Unido já aprovou uma lei de segurança digital, impondo às redes sociais a responsabilidade de remover conteúdos ilegais e reduzir a exposição dos jovens a discursos misóginos, violentos ou de incitação ao ódio. Em Portugal, embora existam algumas iniciativas legislativas relacionadas com o combate à desinformação e ao discurso de ódio online, falta um quadro normativo robusto que responsabilize efetivamente as plataformas digitais e crie mecanismos de proteção eficazes para os jovens.

A exibição da série Adolescência nas escolas britânicas pode ser um ponto de viragem na forma como se encara o papel do sistema educativo na prevenção da radicalização online. Portugal não pode ignorar esta realidade e deve refletir sobre a necessidade de políticas públicas que promovam uma abordagem que combine educação, regulamentação digital e apoio psicossocial.

* Escritor do Livro “Rumo da Nação: Reflexões sobre a Portugalidade”. Professor do Instituto Politécnico Jean Piaget do Norte.

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