50 anos de UA: Os galinheiros, metáfora de um pré-fabricado

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Universidade de Aveiro ('Galinheiros').
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Tomei posse na Universidade de Aveiro em 18 de abril de 1975. Depois do professor Renato Araújo, eu fui o primeiro, no Departamento de Geociências, a lecionar na nossa Universidade. Começámos num pré-fabricado cedido pelo Centro de Estudos de Telecomunicações.

Por Luís Serrano *

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No ano seguinte construiu-se um outro pré-fabricado, previsto para durar 10 anos. Ainda lá está e continua a ser utilizado, já lá vão 47 ou 48 anos. Foi uma excelente ideia e uma excelente execução. Havia um pátio interior para ser utilizado pelos alunos nos intervalos das aulas (fumar um cigarro, dar duas de conversa, etc.), mas logo se deu conta que, com a falta de espaço para as aulas, um “recreio” era um esbanjamento.

Introduziram lá, de seguida, quatro salas de aula. Estas salas traziam grandes benefícios à comunidade universitária. Não houve gastos em isolamentos, de modo que discentes e docentes podiam perfeitamente assistir a aulas de outros professores. Eu por mim falo. Ouvi, com proveito, aulas dadas pelos professores que falavam mais alto na Universidade: o saudoso professor Edmundo da Fonseca (Geociências) e o professor Casimiro de Brito (Ambiente), ainda hoje bom amigo. Foi-me, deste modo, possível refrescar alguns conhecimentos que o tempo tinha diluído e adquirir outros a que nunca tinha tido acesso. Esta parte do edifício era o Galinheiro propriamente dito, designação que depois se estendeu a todo o dito pré-fabricado.

No edifício couberam os departamentos de Matemática Geociências, Biologia, Letras, Cerâmica e Vidro e Biblioteca. Creio que não me falta nenhum, mas não estou certo. Havia ainda um anfiteatro.

O conjunto era coberto com folhas que continham asbestos (não confundir com “as bestas” (por essa altura ainda não se falava de substâncias carcinógenas). Estes “telhados” tinham aspetos positivos e negativos. Por um lado, permitiam um arejamento saudável no verão e no inverno permitiam mesmo a entrada de água por frinchas que as variações de temperatura desenvolviam.

Caso curioso: o funcionário (aliás competente) resolvia o problema naquela frincha, mas na chuvada seguinte abria-se uma nova entrada para a água da chuva. Permitia-se assim um certo “roulement” (peço desculpa pelo galicismo, mas é só para contrariar os anglicismos) que era favorável aos vários equilíbrios gerados ou a gerar.

O leitor pouco atento dirá: então, mas não havia um Departamento de Engenharia Civil? Não, senhor. Essa modernice veio muitos anos mais tarde e deu uma justa projeção ao professor Claudino Cardoso que tinha feito o seu doutoramento em Geoquímica. Para ser tratado como engenheiro civil teve de fazer um estágio em Barcelona. Estou à vontade para dizer que o professor Claudino Cardoso nada tem a ver com a tentativa independentista da Catalunha. Somos bons amigos há muitos anos e ele nunca faria uma coisa dessas sem me pedir conselho.

No dito Galinheiro, logo à entrada, havia o bar onde se juntavam docentes e discentes e aí se discutiam (à segunda-feira, especialmente) os jogos de futebol do domingo anterior. A discussão tornava-se encarniçada quando o autor destas linhas (analfabeto no tema) resolvia usar da palavra e questionar a validade de um golo tido por excelente. Aí, o professor Renato Araújo fugia para se rir à vontade enquanto o senhor Saraiva (excelente funcionário e meu amigo) quase se incompatibilizava comigo por eu insistir que um certo golo fora cometido por um jogador em posição de offside. Em português diz-se “fora de jogo”, mas nós pertencemos à Europa e fica bem falar inglês.

Mas não devo omitir alguns aspetos destas reuniões. Aí se falava dos namoros dos alunos e das alunas. Quem levava a palma era o professor Renato Araújo, o que deixava o professor Edmundo meio amuado porque se dava conta nessa altura que as suas investigações nem sempre batiam certo.

Outro aspeto muito importante do Galinheiro era a sua situação: a 200 metros do Hospital de Aveiro (sempre pronto a receber doentes ou parturientes) e a cadeia prisional a 30 metros de distância. Esta proximidade da cadeia prisional de Aveiro ainda foi responsável por um susto sofrido pelo professor Edmundo. Como ele tinha o bom hábito de trabalhar aos sábados de tarde, um dia um indivíduo que cumpria pena de prisão ali ao lado resolveu fugir. Naturalmente, gerou-se um burburinho até a polícia o deter de novo.

Passei muitos anos num gabinete virado para a Ria. Partilhei o gabinete com a professora Beatriz, com o professor Renato Araújo e com o meu bom amigo, quase homónimo, professor Manuel Serrano Pinto, em tempos diferentes, naturalmente, porque os gabinetes eram pequenos.

Não resisto a contar uma história de gabinete: a secretária do professor Renato oferecia ao olhar atento de qualquer cidadão a imagem do caos: livros, cadernos, papéis, tudo muito bem misturadinho. A mim fazia-me confusão e como eu uma vez tivesse aludido a essa “indisciplina”, ele retrucou-me: peça-me qualquer coisa que esteja na secretária e eu assim fiz. Em 5 segundos, ele encontrou o que eu tinha pedido. Era a sua memória espantosa!

Só que, por um desses dias, a também saudosa D. Dília, que procedia regularmente à limpeza do Departamento de Geociências, teve a peregrina ideia de “arrumar” a secretária do professor Renato Araújo. Quando ele se deu conta disso, ralhou-lhe fortemente concluindo com esta frase sibilina: “D. Dília, a senhora desarrumou-me a secretária completamente”. Ela veio, chorosa, dizer-me: “oh, senhor doutor, o senhor professor Renato disse que eu lhe tinha desarrumado a secretária”. Guardo, com saudade, algumas peripécias que fizeram do Galinheiro uma referência. De resto, foi nos Galinheiros que a Universidade de Aveiro iniciou os seus primeiros passos.

* Investigador aposentado. Artigo publicado originalmente na Revista Linhas número 41 / Universidade de Aveiro.

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