O impacto da Covid-19 no bem-estar das pessoas

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Imagem de arquivo.

Se considerar os possíveis efeitos da infeção pelo vírus SARS-CoV-2 no sistema nervoso, a doença Covid-19 tem impacto sobre o bem-estar por variados mecanismos de natureza psicológica.

Por Carlos Fernandes da Silva *

O medo é uma das emoções que pode ser desencadeada pelas notícias e pelo que se ouve e lê nos mass media e que pode em algumas pessoas levar a comportamentos de evitamento e fuga (locais de trabalho, atendimento ao público, transportes públicos, etc.). Muitas informações não têm fundamento científico e são amiúde assustadoras.

A linguagem dos comentadores e políticos não é clara para muitas pessoas. Também há o medo associado ao facto de se saber que muitas pessoas não concordam com muitas medidas de proteção suportadas por evidência e violam-nas.

Há pessoas que não acreditam que o vírus existe e que se trata de um embuste conspirativo mundial. Comparam as mortes por Covid-19 com as mortes por outras doenças (ex.: gripe), mas não avaliam o impacto que a Covid-19 tem em termos de ocupação de camas de Unidades de Cuidados Intensivos e rutura do SNS.

A ansiedade gerada pela Covid-19 é outro fator. Não se confunda ansiedade com medo (o medo é uma emoção que pode gerar evitamento, fuga ou luta).

A ansiedade tem um carácter propulsivo (‘ansiar por’). As pessoas anseiam que a curva de infeção aplane e diminua rapidamente e que as vacinas sejam disponibilizadas rapidamente com a expectativa de que assim a humanidade poderá recuperar a sua vida igualmente deletéria de uma corrida sem parar para cumprir compromissos inadiáveis, frequentemente múltiplos e com pouco outcome, e não pensar muito bem no que se faz e no sentido da vida.

Outros “paralisam” e deprimem-se por causa da angústia, um estado emocional que consiste em sentir-se sem saída, sem solução, com sintomas como “bola na garganta” e um “torno a apertar a caixa torácica” (este sintoma em muitos sugere-lhes um dos sintomas referidos como sendo provocado pelo vírus da Covid-19).

Estar “só” pode ser útil e outras luzes ao fundo do túnel

O isolamento social, o sedentarismo e, sobretudo, a ausência do “toque” afetivo (o abraço afetuoso), do convívio face sem máscara, etc., podem desencadear tristeza, depressão, violência no seio doméstico (pelo crowding effect) e em pessoas que vivem sós e não conhecem que o silêncio e o estar “só” pode ser útil e desenvolvimental (veja-se o ‘budismo’).

Para lidar com estas situações será necessário dosear as notícias sobre a Covid-19 ao mínimo e relevante (ex.: casos diários, mas com relevo para os recuperados), ouvir comentadores que sejam apenas especialistas e que usem uma linguagem compreensível, seguir as 5 regras básicas de prevenção da Covid-19, usar recursos como o WhatsApp e outros meios de videochamada para interagir, escolhendo temas que não sejam apenas Covid-19, doenças em geral, efeitos na economia e trabalho.

Fazer em confinamento tudo o que se faria se se tivesse que sair à rua (tomar duche, vestir roupa de sair à rua, caminhar na casa, varandas ou quintais, interagir com as pessoas em casa, animais domésticos e plantas) e atrevo-me a sugerir a leitura atenta do livro “O que não faz de ti um budista”, de Dzongsar Jamyang Khyentse (2020), traduzido pelo Professor Paulo Borges, da Universidade de Lisboa, Edições Padmakara (ISBN: 978-989-54549-1-4). Prático, de muito fácil e agradável leitura e extremamente útil para atingir “Bem-Estar” durante esta pandemia e depois dela.

* Psicólogo e Professor Catedrático da Universidade de Aveiro. Diretor do Departamento de Educação e Psicologia. Artigo publicado na revista Linhas (dezembro de 2020).

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