O primeiro volume da “Monografia da Murtosa”

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"Monografia da Murtosa" (capa).

A “Monografia da Murtosa”, neste primeiro volume, centra-se sobretudo na formação formação e evolução da Ria de Aveiro e nos mapas da Murtosa e sua região.

Marco Pereira *

São temas que em grande medida não interessam apenas à Murtosa, sendo comuns aos vários municípios da região da Ria de Aveiro. Deste modo, o conteúdo do livro pode-se sintetizar da seguinte forma (e passo a citar os sumários dos capítulos do livro):

O concelho da Murtosa, situado na Orla Mesocenozóica Ocidental, assenta num substrato rochoso de xistos (antigo fundo do mar), sobre os quais se encontram camadas alternantes de detritos rochosos ora barrentos e impermeáveis, ora arenosos e permeáveis. Podem encontrar-se à superfície solos quaternários resultantes de praias antigas, do Plio-Plistocénico (mais de 10 mil anos), ou aluviões actuais e areias de duna, do Holocénico (menos de 10 mil anos), sempre formando uma extensa e homogenea planície detrítica, cuja altitude pouco supera o nível do mar.

Embora a designação Ria de Aveiro seja a mais tradicional, é cientificamente mais correcta a de Laguna de Aveiro, similar à baía de Arcachon (França), à lagoa de Veneza (Itália) ou às lagunas do Báltico, entre muitos outros exemplos no mundo, acidentes litorais formados após a transgressão flandriana, há menos de 6 mil anos. Resulta da acumulação de aluviões fluviais que formaram um delta inicial e da deposição de areias pelo mar, criando um cordão litoral que encerra a ligação com o mar e se movimenta gradualmente em direcção à costa.

A Ria de Aveiro é o mais notável acidente do litoral peninsular, possuindo uma extensão máxima de 47 Km no sentido N-S e 7 Km no sentido O-E, com uma profundidade média de 1 m. As populações agruparam-se à sua volta, à semelhança da imagem platónica do Mediterrâneo, como «rãs à volta de um charco», porquanto a laguna se tornou essencial à economia e ao estilo de vida do homem da sua região.

A linha de costa é sobretudo influenciada pelo conjunto clima e nível do mar, importando depois o balanço sedimentar.

A acumulação de sedimentos (depositados pelo rio Vouga e principalmente pelo mar) determinou a formação de praias e lagunas, sendo a actual configuração Ria de Aveiro o que resta de outra maior que a antecedeu.

Formaram-se sucessivamente a Terra Marinhoa, a Gafanha e o cordão litoral, com a foz do Vouga sobre a Murtosa, parte da qual pode ter constituído uma ilha do delta deste rio. Os solos e a arqueologia contribuem para concluir que a Terra Marinhoa e a ria, ainda que imperfeita, são anteriores em idade ao domínio romano.

Na Ora Maritima, obra geográfica do romano Avieno (séc. IV) é descrita uma ilha, a pelagia insula, que talvez se situasse na foz do rio Vouga. Por outro lado, a existência de ocupação romana efectiva, com actividade pesqueira, em Cacia e Esmoriz, assim como várias camadas geológicas do solo na linha de costa, permitem concluir da existência de uma proto-laguna, ao abrigo de um cordão litoral incompleto que se prolongava para Oeste do actual.

Durante a Idade Média, séculos VIII a XIII aproximadamente, sentiu-se uma melhoria climática, com o aumento da temperatura média, no que ficou conhecido como Pequeno Óptimo Climático. A evolução lagunar foi pouco dinâmica e assemelhavam-se à actualidade o nível médio das águas oceânicas e a Ria de Aveiro.

As freguesias marinhoas estavam totalmente formadas, porém havia uma maior profundidade lagunar e o cordão litoral encontrava-se incompleto. Terá talvez mil anos o início da acumulação da manta de areias que veio cobrir o litoral argiloso, nessa época já emerso.

O clima na Idade Moderna foi o oposto da Idade Média, falando-se de Pequena Idade do Gelo, devido ao arrefecimento da temperatura média. Foi um período de abundância de sedimentos e grande dinamismo na construção do litoral, o que levou a um rápido entupimento da comunicação entre a Ria de Aveiro e o mar, com severas consequências na natureza, na economia e na demografia da região.

No inverno de 1575 a ligação entre a laguna e o mar entupiu pela primeira vez. Com intermitências, encerrou definitivamente a meio do século XVIII. Após sucessivas tentativas de reabertura construiu-se a actual Barra, artificial, em 1808.

A partir de meados do século XIX a temperatura média do clima começou a subir e, com ela, o nível das águas do oceano. Simultaneamente verificou-se uma pequena transgressão marinha. Por outro lado tem diminuído a profundidade da Ria de Aveiro.

O século XIX fica marcado pela abertura, em 1808, de uma Barra artificial e definitiva na laguna, seguindo-se a construção de um novo leito para a foz do Vouga, concluído em 1815.

Conhecem-se mapas de Portugal ou regionais, identificando a Ria de Aveiro e a Murtosa, desde o século XVI. São da segunda metade do século XVIII os primeiros em que foi empregue certo cuidado técnico, devidos às vicissitudes locais, designadamente o encerramento natural da comunicação da laguna com o mar.

A Carta Corográfica de Portugal, folha n.º 10, de 1870, é o primeiro mapa da região de Aveiro com rigor verdadeiramente científico, o original precursor das actuais cartas militares. Depois disso começaram a multiplicar-se os mapas, com as mais diversas escalas, temas e finalidades.

*  Autor da “Monografia da Murtosa”

O 1.º volume da “Monografia da Murtosa” será apresentado no dia 29 de Outubro, pelas 10:00, no Salão Nobre da Câmara Municipal da Murtosa.

O livro editado pela Câmara Municipal da Murtosa é o primeiro de uma série, para sair ao ritmo de um por ano, sempre no 29 de Outubro, dia em que se assinala a emancipação do concelho da Murtosa (29/10/1926).

Cada volume pretende desenvolver um conjunto de temas relacionados com a história do local e outras áreas do conhecimento, que ajudem a conhecer melhor a identidade murtoseira. Esta série vem na sequência da “Breve história do concelho da Murtosa” (2016), que procurou dar um retrato global mas sucinto da história do concelho, pretendendo-se agora desenvolver ao longo de vários volumes tudo o que ali veio sumariado.

No primeiro volume da “Monografia da Murtosa” trata-se, sobretudo, da Geomorfologia (principalmente a formação e evolução da Ria de Aveiro) e da Cartografia (mapas da Murtosa, antigos e recentes).

Simultaneamente, estará patente na Câmara Municipal uma exposição de mapas antigos, da Murtosa e sua região, desde o século XVI até à actualidade.

Entre os mapas em exposição conta-se o mais antigo levantamento topográfico da vila da Murtosa, na escala de 1:2000, e dimensão em papel de 2 x 2,5 metros, com data de 1932. Nesse mapa muitas casas têm os seus proprietários identificados, sendo possível encontrar os nomes e casas dos avós e bisavós de muitos murtoseiros.