1616 – Uma pedra… como tantas outras

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Edifício 1616, Aveiro.

Todos gostamos de apreciar fachadas bem recuperadas, visualmente integradas no meio arquitetónico em que se inserem, numa lógica de continuidade urbanística respeitadora das envolvências

Por Paulo Marques *

Lá diz o povo, “Cada cabeça, sua sentença” e é bem verdade.
Ou seja, perante determinados fatos, cada cidadão tem o direito à opinião, umas vezes coincidente com outras, outras vezes, manifestamente contrária.

Esta coisa de recuperação e defesa do património histórico, nomeadamente quanto ao edificado privado cuja arquitetura ou marcas visuais possam significar testemunho de um passado arquitetónico assinalável, tem, desde sempre, sido motivo de reflexão, crítica e até de aproveitamento político.

Numa linguagem simples, todos gostamos de apreciar fachadas bem recuperadas, visualmente integradas no meio arquitetónico em que se inserem, numa lógica de continuidade urbanística respeitadora das envolvências, dos registos históricos e culturais, marcas de um passado distante, mas ao mesmo tempo presente.

Sempre que se verifica essa preocupação por parte de instituições, arquitetos e engenheiros responsáveis pelas empreitadas de recuperação e ou conservação, quando as entidades fiscalizadoras cumprem o seu papel, tal processo representa valor arquitetónico, cultural e social para a sociedade.

Contudo, tal modus operandi deixa muito a desejar e é posto em causa quando, depois de concluídas as obras, apreciamos alguns exemplos de conservação arquitetónica, percebendo-se de que algo falhou, de que ninguém cumpriu o seu papel, a julgar pela aparência estética final dos edificados.

Dá a ideia de que ninguém olhou para o prédio ao lado, de que apenas interessou a rentabilização económica do investimento, de que o valor histórico do património depende de critérios completamente arbitrários e opostos às regras urbanísticas, imperando a falta de bom senso e, finalmente, muita falta de gosto.

Basta refletir sobre os seguintes exemplos:

Edifício Fernando Távora.

Edifício Fernando Távora – Atual Casa da Cultura, situada na Praça da República, um exemplo arquitetónico arrojado a todos os níveis e sensibilidades. Ao que se sabe, à época, terá dado muito que falar, a julgar pelo desrespeito relativamente ao edificado envolvente.

Apesar de apreciar a fachada, penso que a sua localização não poderia ser pior.
Qual a semelhança com a arquitetura da Escola Homem Christo, com o Teatro Aveirense, com o Edifício dos Passos do Concelho ou com a Igreja da Misericórdia?
Quanto a mim, a sua demolição daria lugar a uma verdadeira Praça da República, ampla, valorizando o património histórico envolvente, José Estevão e a Rua dos Combatentes da Grande Guerra, vulgo Rua Direita.

Novo edifício na confluência da Rua Direita e Rua de Luís Cipriano – Os mais acérrimos da defesa do património histórico podem dizer o que quiserem.
Apenas e somente um edifício com uma pedra, literalmente à janela, a ver quem passa, as pedras tortas das varandas, os remendos e adaptações às exigências técnicas da atualidade, prostrados numa fachada, diria, surrealista.
Do antigo edifício, sobra a dita pedra à janela e a remendada fachada frontal.
Hoje não há impossíveis. Não é Arte nova nem Arte Deco, não é coisa nenhuma.
Não teria sido melhor reconstruir a mesma fachada, respeitando novo alinhamento, tomando em consideração a fachada do edifício da Misericórdia?

Já agora, fachadas negras? Falta de gosto, imaginação ou sai mais barato?
Por que será que cada vez que há uma recuperação da fachada mais antiga e se faz um último andar mais recuado, se pinta o mesmo de negro não se respeitando a traça, bem como os materiais já existentes nos andares inferiores?

Dois exemplos: o edifício das antigas instalações de “o Tear”, na Avenida Lourenço Peixinho, bem como o anteriormente citado. Pelo que tenho visto, não só em Aveiro, a imaginação arquitetónica parece não dar para mais.

Edifício sede da SIMRIA, Aveiro.

E o que dizer do antigo edifício de Arte Nova, sito na Rua Capitão Souza Pizarro ou dos dois outros exemplos na Rua dos Combatentes da Grande Guerra, Rua Direita.

No primeiro caso, tendo sobrado apenas a fachada, amparada por uma estrutura em ferro, talvez fosse melhor deslocá-la para outro local servindo de fachada para um outro edifício. Quanto aos outros dois, desrespeitarem a envolvência arquitetónica existente.

À época, onde estiveram as entidades responsáveis pela fiscalização e acompanhamento das respetivas obras?

Rua Direita, Aveiro.

Em conclusão, perante o que tenho visto, muitas outras pedras que não só a de 1616, permitem concluir que, num dado momento, imperou o mau gosto ou os olhos de ver não viram tudo.
Sabe-se lá porquê?

* Gerente comercial.