15 anos do Museu do Vinho Bairrada: A vitória da trivialidade e a ameaça de um futuro comprometido

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Museu do Vinho Bairrada, Anadia
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Um excelente exercício protagonizado pela Câmara de Anadia para tentar seduzir o cidadão bairradino a acreditar que se faz arte em Anadia; mas a arte deve assinalar qualquer coisa de diferente daquilo que foi aqui exibido.

Cristiano Jesus *

Nas comemorações dos 15 anos de existência d’O Museu do Vinho Bairrada foi organizada uma exposição temporária, em exibição até ao dia 27 de Setembro, que ocupa todo o piso superior. Uma das salas está reservada à Associação dos Artistas Plásticos da Bairrada (AAPB) com a exposição “Brind’arte”.

As outras 3 salas são dedicadas às exposições individuais de DoAmaral com “25 Anos Nas Tintas”, Dina Lopes com “Bairrada: Essência e História” e Pedro D’Oliveira com “Água, Pão, Vinho, Alegria”.

A exposição “Brind’arte” é uma exposição colectiva de vários artistas associados à AAPB, onde cada artista apresenta a sua obra no seu estilo, tendo como tema em comum “o saboroso néctar, inspirados em um Brinde à Arte Bairrada”. A diferença de qualidade entre elas é tão grande que ficamos incrédulos quando sabemos que houve um critério de selecção como afirma Mário Fernando Moreira, presidente da AAPB, no pequeno texto introdutório à exposição. Ela não traz nada de novo àquilo que estamos habituados a ver em relação à temática vinícola, sendo a repetição de fórmulas já conhecidas: o clássico retrato de um cacho de uvas, um copo a ser enchido com vinho, naturezas mortas com garrafas e copos, maioritariamente num estilo decorativo, sem espessura e que só se chama arte, porque está num museu. Quando é usada a escultura tem um aspecto vulgar, espectacular, revelando-se quase ridículo. O próprio nome da exposição é duvidoso, pois é um jogo barato e fácil de palavras que qualquer um pode fazer, quando está com pouca criatividade. Salvo raras excepções (são elas “Vinho e solidão: diálogo com o silêncio…” de Gina Marrinhas, “The puring of wine” de Sérgio d’Azevedo e “Do Douro” de Susana Rino, onde se percebe que existe uma procura dos artistas em realizar algo criativo com os meios disponíveis), não há nada que capte a atenção do visitante, que o faça estagnar, questionar-se.

Seguindo para a sala do lado temos as exposições individuais e logo nos deparamos com a exposição “25 Anos Nas Tintas” do artista angolano Do Amaral, nascido em 1960. Nas suas obras encontramos marcas do cubismo, futurismo e do surrealismo, contudo completamente estilizado.

O problema não está em repetir certas estéticas de vanguarda do início do séc. XX, o problema acontece quando aquilo que já foi realizado com mestria não é superado ou vergado a um novo significado. É como se regressássemos atrás no tempo, mas sem o valor do novo, pois já vimos isto em: Pablo Picasso, Juan Gris, Robert Delaunay e a fase cubofuturista de Kasemir Malevich.

A arte morreu, no modo clássico como a conhecemos, desde os anos 60, mas ela aqui é praticada como se nunca tivesse sofrido mutações. A parte mais interessante da exposição serão as ilustrações “Cinco Chagas”, uma série de postais ilustrados, de diferentes cidades portuguesas (Braga, Bussaco, Porto, Madeira, Algarve, Lisboa, Coimbra e Portugal) e uma estrangeira (Inglaterra), com os seus elementos idiossincráticos, que realizou para rotular garrafas.

Dirigindo-nos para a outra divisão entramos na exposição “Bairrada: Essência e História” de Dina Lopes, onde nos apresenta pinturas figurativas com um certo carácter etéreo. Lopes procura a essência da Bairrada em paisagens idealizadas, seja através da memória ou do sonho, e ainda nos elementos turísticos da cidade e da sua história, quando retrata Coimbra (“Coimbra é uma Lição” e “Coimbra… Coimbra…”, que serão o melhor da sua exposição não só pela harmonia da composição, como também pelo jogo de cores, que resgata a paleta do Romantismo). Quando olhamos para os quadros sobre a Bairrada reparamos que estão desfasadas do real.

Nós sabemos que arte não tem de ser uma mimese da realidade, como já foi provado ao longo da História da Arte, mas aquilo que Lopes se propõe fica longe do que pretende. Não há um espelho da sociedade, das pessoas do lugar; são simples acções que agem no vazio e que podiam decorrer noutro sítio rural: uma padeira a cozer o pão, uma mãe com os filhos, gente a vindimar. Se a Bairrada for como aqui está retratada, ela é unidimensional. Para dar a ideia de passagem do tempo Lopes usa várias sobreposições e diferentes graus de opacidade, estratégia simples que se revela eficaz, mas que depois cai na saturação e, por isso torna-se previsível não deixando nada de novo para ser descoberto.

É uma exposição que se afasta de qualquer vanguarda artística, para ter uma realização unicamente individual e pessoal.

Por último temos a exposição “Água, Pão, Vinho, Alegria” de Pedro D’Oliveira que é a mais expressiva das 3 exposições individuais. O título da sua exposição remete para a religião, outro sub-tema recorrente quando se fala de vinho. Encontramos aqui, num estilo que procura vincar a espontaneidade, várias reproduções da última ceia, que sofreram actualizações (ora saída dos inícios dos séculos, ou de uma época medieval, ou dos tempos modernos), mas sem qualquer consequência. Quando D’Oliveira se afasta da temática religiosa apresenta-nos retratos de personagens que não têm consciência do ridículo. Ele também se debruça sobre alguns retratos de videiras e de um vindimador, que embora sendo as telas mais antigas são as mais interessantes (“Balde Amarelo”, “Garrafa”, “Vindimador” e “Videira com Vergueiros ao fundo”), porque é possível observar uma visão artística da vinicultura. Dois tempos parecem cobrir a exposição: várias telas apontam que foram terminadas entre final dos anos 90 (algumas talvez até já foram expostas na primeira exposição que realizou cá em Anadia “Bairrada vista pelos seus pintores”) e inícios de 2000 e este ano 2018. A sensação de quem assiste a este conjunto é que não há coerência ou até mesmo uma ideia por de trás da exposição, parece que o artista foi convidado a participar, mas como não tinha material suficiente decidiu reciclar algumas obras e reunir outras díspares, esperando que fizesse sentido.

Terminada a visita faltam as considerações finais: é uma exposição colectiva que servindo para comemorar os 15 anos da inauguração do Museu do Vinho Bairrada e os 25 anos da “relação próxima” entre os artistas e o município de Anadia, esqueceu o seu papel enquanto objecto artístico, revelando-se como mero cenário. A arte torna-se acompanhamento às provas de vinho, tomando este o papel principal. Quando devia exactamente suceder o contrário. Para quem deita a mão ao copo e se contenta com o que há, acomodando o apetite à oferta, sem grande consideração por aquilo que a Arte foi ou sequer para onde vai, sem dúvida que celebrará efusivamente a ocasião. E nós também poderíamos pintar, como sempre que se faz jornalismo cultural por cá, uma imagem gloriosa da exposição, mas há um compromisso real da nossa parte para com a Cultura e os leitores informados.

Esta exposição foi um excelente exercício protagonizado pela Câmara para tentar seduzir o cidadão bairradino a acreditar que se faz arte em Anadia; mas a arte deve assinalar qualquer coisa de diferente daquilo que foi aqui exibido, se não é a procura de algo que já foi encontrado, mas que se teima em achar que não. Mas o melhor será verem com os vossos próprios olhos, e por isso têm até dia 27 de Setembro para visitarem a exposição.

* Estudante universitário.