14 anos, 6 inaugurações e (quase) 6 milhões depois, eis a ‘Circovia’ do Vouga!

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Inauguração da Ecopista do Vouga.
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Certamente, como é do vosso conhecimento, Viseu inaugurou os quilómetros finais da Ecopista do Vouga no passado dia 6 do corrente mês. Como defensor da Linha do Vouga há quase 12 anos, o Movimento Cívico pelo Linha do Vouga não poderia ficar indiferente a este acontecimento, pelo que vimos por este meio deixar aqui a nossa reação.

Por Movimento Cívico pela Linha do Vouga *

A Linha do Vouga, no seu trajeto de 80 km entre Sernada do Vouga – interface ferroviário para Espinho e Aveiro – e Viseu, demorou cerca de 2 anos a ser construída, no conturbado período de 1912 a 1914. No seu percurso, serviu durante quase oito décadas os concelhos de Águeda, Albergaria-a-Velha, Sever do Vouga, Oliveira de Frades, São Pedro do Sul, Vouzela, e Viseu, onde na sua estação terminal dispunha de interface com a Linha do Dão, até Tondela e Santa Comba Dão (Linha da Beira Alta).
Após os desastrosos encerramentos da governação de Cavaco Silva, estes 80 km foram rápida e sistematicamente desmantelados em 1990, e o seu património deixado pelo Estado Português entregue à ruína. Outro grande impulsionador deste aniquilamento foi o agora novamente Presidente da Câmara Municipal de Viseu, Fernando Ruas, que personifica a opção de demolição do centenário edifício da estação de Viseu, término de não uma mas duas linhas de caminhos de ferro.

Dois anos para a construção de 80 km num período pós Revolução e tecnologia de há um século; poucos dias para o seu desmantelamento e destruição, em tempos de abundância e estabilidade, no final do século XX.

“Demagogia vs Desenvolvimento”

Ponte do Poço de Santiago. Foto da autoria de Aníbal Bastos.

Terreno fértil para a invasão de uma moda de circunstância e despesista, ufanamente defendida pela própria Infraestruturas de Portugal, em total contradição com os objetivos nacionais de Coesão Territorial e Descarbonização da Economia:

• No ano de 2009, entrou em funcionamento o primeiro percurso da denominada Ecopista do Vouga, começando em Paradela (Sever do Vouga), e indo apenas até à Foz do Rio Mau, num percurso de 5 km. Só em 2013 seria inaugurado o prolongamento desta invasão à Linha do Vouga, em 6 km; ambos os percursos totalizaram um investimento de 1,2 milhões de euros – sensivelmente 100 mil euros por km;
• Depois deste hiato de 4 anos, somaram-se mais 3 anos de espera até à inauguração seguinte, em 2017, de meros 3 km de extensão em São Pedro do Sul; investimento de 300 mil euros – novamente, 100 mil euros por km;
• Em 2021 – 4 anos depois – foi a vez de Vouzela se lançar também neste aventureirismo despesista, ao promover a ocupação da Linha do Vouga em 7 km, num investimento de 857 mil euros – ultrapassando os 120 mil euros por km;
• No ano seguinte, 2022, Águeda e Albergaria-a-Velha juntar-se-iam a esta novela interminável de inaugurações, com a soma de mais 4 km de ecopista, no valor de 230 mil euros – a fasquia aqui a ficar-se pouco acima dos 50 mil euros por km;
• A 6 de Outubro de 2023, Viseu inaugurou mais 55 quilómetros de ecopista, numa versão “low cost” em terra batida, num investimento de cerca de 2,8 Milhões de euros – 50 mil euros por km. No concelho de Viseu propriamente dito, o investimento foi superior a 641 mil euros – cerca de 60 mil euros por km.

Resumidamente, dos 80 quilómetros que ligam Sernada do Vouga a Viseu, foram precisos 14 anos, 5,5 Milhões de euros, e 6 (!!!) inaugurações, para que esta manta de retalhos sem qualquer tipo de planeamento ou estudo prévio tanto de utilização, como de reabertura à exploração ferroviária, fosse concluída – 10 km dos quais com direito a reinauguração. Sublinhamos que este investimento de 5,5 milhões de euros equivalem ao investimento para a reabertura de 11 km de Via Estreita, o que significa que já foi gasto nesta ecopista o equivalente a ter reaberto a Linha do Vouga de Sernada do Vouga até Paradela, servindo diretamente a vila e sede de concelho de Sever do Vouga.

O Comboio Histórico do Vouga promove verdadeiras romarias. Aqui à saída do túnel de Eirol.

Comboio histórico no túnel de Eirol. Foto da autoria de Photorail.

Esta vila de 2700 habitantes é sede de um concelho com 12 mil habitantes, boa parte dos quais a uma distância confortável de uma estação. Aplicando uma expectativa de procura bem reduzida, estamos a falar de um acréscimo de cerca de 200 passageiros/dia, o que daria à Linha do Vouga mais 60 mil passageiros/ano. Outro dos aspetos positivos de uma possível reabertura seria o alívio da pressão imobiliária existente em Aveiro e arredores, pois permitiria que mais pessoas se fixassem mais longe, tendo um corredor ferroviário que as colocasse comodamente nesta capital de distrito. A juntar a isto, não nos podemos esquecer de forma alguma do incremento de sucesso ao Comboio Histórico do Vouga, através da possibilidade de voltar a atravessar o principal ex-libris desta linha, a magnífica Ponte do Poço de Santiago, que tem o título de maior arco em alvenaria de pedra da Península Ibérica e o segundo maior da Europa.

Em 2024, Viseu será Cidade Europeia do Desporto, mas continuará a não ser servida pelo transporte ferroviário, embora se orgulhe de ter “a maior ecopista da Península Ibérica”, com mais de 120 quilómetros de extensão, construída precisamente em cima de dois canais ferroviários: os do Vouga e do Dão. Viseu, que detém ainda o título de maior cidade europeia sem comboio. Um evento importante, mas ao qual os participantes chegarão todos através de transporte rodoviário e poluente – porque duvidamos que haja alguma comitiva que venha de bicicleta, a pé, ou de trotinete, pelas tais magníficas ciclo-eco-charadas. Tão pouco de que se orgulhar, esta que é ainda a maior cidade do Interior de Portugal.

Os regionais continuam sobrelotados nas idas à praia de Espinho Aqui um autêntico exemplo disso, em São João da Madeira.

Linha do Vouga, São João da Madeira. Foto da autoria de Bruno Soares.

Continuaremos a pugnar para que se faça justiça aos cidadãos do vale do Vouga, e que o serviço ferroviário seja reposto, para a promoção não apenas do lazer através do pedestrianismo e do ciclismo – que também o faz – mas também do transporte sustentável de pessoas e mercadorias, melhoria da qualidade de vida, fomento da Economia local, e fixação de habitantes neste território, algo que nenhuma ciclovia o fará. Citando Ferreira de Castro, “para lá de cada túnel está sempre uma aguarela soberba”. Nessa aguarela soberba, o escritor contemplava uma linha de comboio, não uma ciclovia.

* Artigo escrito em colaboração com Daniel Conde, da página Via Estreita. O nosso público agradecimento pela possibilidade desta colaboração entre ativistas a favor da via estreita e da Linha do Vouga. Publicação online em https://valedvouga.blogspot.com/2023/10/14-anos-6-inauguracoes-e-quase-6.html.

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